Três meses após ter deixado o Brasil para não ter que passar a faixa presidencial, Jair Bolsonaro (PL) finalmente ficou frente a frente com o ex-presidente americano Donald Trump. O brasileiro participou neste sábado (4) da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), em Washington, que reuniu os principais nomes da extrema direita dos Estados Unidos.
Em seu discurso, Bolsonaro vocalizou novamente a incredulidade por ter sido superado, no voto popular, por um adversário. "Com certeza, sou o ex mais amado do Brasil", disse numa fala que era ilustrada por imagens dele com apoiadores em motociatas e nas conversas no ‘cercadinho' do Planalto.
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"Se olhar as imagens, tive muito mais apoio em 2022 que em 2018. Não sei porque os números mostram o contrário", questionou outra vez Bolsonaro. Em seu discurso de pouco mais de 20 minutos, o ex-presidente afirmou ter uma relação "excepcional" com Trump e destacou: "Fui o último presidente do mundo a reconhecer os resultados da eleição dos Estados Unidos".
Além de Bolsonaro e do próprio Trump, que encerrou o evento com uma fala de 1h45, a CPAC também contou com uma das principais figuras da extrema direita mundial ligada ao ex-presidente dos EUA: o ideólogo Steve Bannon.
Condenado a quatro meses de prisão pela Justiça americana por não cooperar com a investigação aos ataques do Capitólio, Bannon foi um dos principais motivadores da tentativa de golpe nos EUA após a derrota de Trump para o democrata Joe Biden, em 2020, que culminou com a invasão do Capitólio. Ele aguarda o fim do processo em liberdade.
Críticas à saída de Bolsonaro do Brasil
Após a derrota de Bolsonaro para Luiz Inácio Lula da Silva no pleito do ano passado, Bannon difundiu mentiras, nas redes sociais e em entrevistas, sobre a suspeição infundada das urnas eletrônicas no Brasil, onde militantes bolsonaristas também tentaram um golpe de Estado ao invadir os prédios dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro.
Nos bastidores da CPAC, Bannon criticou a atitude de Bolsonaro de deixar o Brasil antes da posse de Lula. "Recomendei fortemente para que o presidente Bolsonaro não saísse do Brasil", disse o extremista à DW, voltando a repetir argumentos infundados sobre a eficiência das urnas eletrônicas.
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"Minha recomendação foi para que ele [Bolsonaro] ficasse e lutasse com eles. Não acho que Lula deveria assumir [a presidência]", complementou, chamando o atual presidente brasileiro de "comunista" e o acusando de ter "envolvimento com o Partido Comunista Chinês".
A suposta "ameaça comunista"
Também no sábado, um pouco antes do pai, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) participou de um debate na CPAC cujo tema era "A Ameaça Comunista nas Américas". A relação próxima entre Eduardo e Bannon é conhecida publicamente. O ideólogo do trumpismo chegou a nomear o filho de ex-presidente líder de seu movimento de extrema direita na América do Sul.
A suposta ameaça comunista, inclusive, foi um dos principais motes do evento, junto com o descrédito das urnas. Em diversos painéis e discursos, participantes da cúpula foram praticamente uníssonos ao chamar o atual presidente americano, o democrata Joe Biden, de "comunista", "socialista", "globalista" ou mesmo "marxista".
Num momento em que a extrema direita se vê escanteada do poder no continente, com a vitória de líderes social-democratas em países como Chile, Argentina, Colômbia, México e Brasil, a retórica do CPAC se volta contra um inimigo em comum: a China.
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No discurso final, Trump disparou contra os "políticos amantes da China" do Partido Democrata e culpou a pandemia do "vírus chinês" por não ter tido o desempenho econômico esperado. Ao fim de sua fala, Trump praticamente repetiu o dito por Bolsonaro horas antes: "Fomos muito melhores [nas eleições] em 2020 que em 2016", em um reiterado o ataque ao sistema eleitoral americano.
Articulação internacional
Nos últimos anos, eventos promovidos por extremistas de direita têm ganhado peso no cenário internacional. Segundo Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), cúpulas como a CPAC têm um efeito de mobilização dos atores da extrema direita internacional.
"É algo que vem sendo feito ao longo dos últimos anos para gerar uma capacidade de apoio e articulação de diferentes grupos. É um movimento que tem se consolidado, se ampliado, e se tornado uma coalização grande em termos internacionais", destaca Holzhacker, que elenca como principais atores, além de Trump, Bannon e Bolsonaro, figuras como o húngaro Viktor Orbán e a francesa Marine Le Pen.
A especialista afirma que a ideia de contestação às urnas, que tem sido constante dentro da lógica da extrema direita, está diretamente ligada à centralização desse campo ideológico em torno de lideranças individuais – como os ex-presidentes de Brasil e EUA. "Sempre vai haver um cunho antipolítico e antidemocrático, porque o movimento entende que é necessária uma lógica de atuação política centralizada na liderança, no papel dessa liderança", explica Holzhacker.
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Autora de "Menos Marx, Mais Mises: O Liberalismo e a Nova Direita no Brasil" e "The Bolsonaro Paradox", a cientista política Camila Rocha, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), destaca que a família Bolsonaro tem construído ‘profundos laços' com a extrema direita e a chamada alt-right americana. "Não é à toa que ele foi para os Estados Unidos, foi justamente por conta desses laços", diz.
Rocha lembra do apoio que movimentos supremacistas dão para os candidatos da extrema direita, como Bolsonaro e Trump, sustentando a retórica de violência às instituições e a ruptura da ordem democrática. "Se pensarmos nesses grupos, são pessoas armadas, que têm envolvimento com atividades armadas e que são dispostas a agir de forma muito mais violenta, por exemplo, participar de atentados", afirma a cientista política. "Você tem uma espécie de uma pequena milícia formada por pessoas comuns", acrescenta.