Quem deve estar celebrando o envolvimento de Michelle Bolsonaro no escândalo de apropriação ilegal de R$ 16,5 milhões em joias dadas pela Arábia Saudita é a parte da direita que disputa espaço com a ex-primeira-dama entre os conservadores.
Lançada pelo presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, em janeiro, como possível candidata à Presidência da República, Michelle começaria a viajar o Brasil para se vender como opção ao conservadorismo religioso – mesmo que o machismo de Jair não morra de amores pela ideia.
Mas, se antes, ela já seria insistentemente lembrada do maridão que fugiu para a Flórida com medo de ser preso por fomentar um golpe de Estado, agora também será cobrada por ele ter pressionado servidores públicos a fim de liberar joias que seriam destinadas a ela na Receita Federal.
Michelle é uma dor de cabeça maior para a direita do que a esquerda, apesar do que o bolsonarismo-raiz tenta fazer crer. Primeiro, para os filhos de Jair, que se consideram os herdeiros políticos naturais do pai. Podem não sair candidatos a cargos do Poder Executivo em 2026, mas gostariam de pessoas que fossem leais a eles – o que não é o caso da madrasta.
Além deles, outros expoentes do bolsonarismo também esperam ganhar espaço com a provável inelegibilidade de Jair, uma vez que não existe vácuo de poder. Querem o ex-presidente como ícone, mas aposentado.
E a redução da influência política do ex-presidente devido aos sucessivos escândalos pode abrir espaço para uma reorganização do campo. A extrema direita espremeu nos últimos anos a direita democrática, que esperava se recompor nesta nova conjuntura. A presença de Michelle, com penetração entre evangélicos e um sobrenome de peso, dificulta o processo.
Uma das formas mais conhecidas de transportar valores de forma ilegal é através de joias de alto valor. Em última instância, sempre pode-se dizer que foi um presente para uso pessoal. Mas o alto valor do que foi dado ao casal Bolsonaro (além das joias atribuídas a Michelle, há também um conjunto para homem que não foi detectado pela alfândega) é estranho, mesmo para os agrados da ditadura saudita.
A investigação da Polícia Federal deve apurar, portanto, não apenas a pressão feita pelo governo para tentar liberar a fortuna em questão, mas, se possível, qual seria o seu uso.
O que teriam acontecido com os R$ 16,5 milhões em joias caso a Receita Federal não tivesse conseguido apreender a muamba presidencial no Aeroporto de Guarulhos? Estaria guardado num cofre do Vivendas da Barra, condomínio onde Jair e Michelle moram no Rio, ou teria virado Caixa 2 de campanha? A pergunta não é retórica porque isso pode ajudar a justificar a inelegibilidade do ex-presidente.
Claro que, depois que a eleição passou, ele seria apenas para um gordo pé-de-meia. Desde que o escândalo das joias veio a público pelo jornal O Estado de S.Paulo, o bolsonarismo atua nas redes redes sociais para tentar convencer que nem Michelle, nem Jair, pretendia ficar com as joias, distorcendo documentos e contando mentiras. A ex-primeira-dama chegou a dar uma resposta péssima, ironizando que era rica e não sabia.
Agora, sentiu. Segundo a coluna de Monica Bergamo, na Folha de S.Paulo, afirmou a interlocutores que o seu papel foi a de "mulher traída", sendo a "última a saber". Ou seja, que tudo foi feito sem que ela soubesse.
Considerando que estamos tratando de Jair, pode ser verdade. Mas, se não for, ela mostrará ser capaz de terceirizar responsabilidades, tendo, portanto aprendido com o comportamento do marido durante os quatro anos de seu mandato. Ou seja, que está pronta para ser uma candidata do bolsonarismo.
Artigo original publicado em UOL.