Mulheres e Segurança

Como os feminismos podem ajudar a solucionar o problema da insegurança no mundo?

Neste 8 de março, conheça um olhar diferente sobre segurança de um dos grupos mais afetados pelas violências

Brasil de Fato | Buenos Aires, Argentina |

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Vice-presidenta colombiana Francia Márquez durante a Conferência de Segurança em Munique, Alemanha, em fevereiro. - Twitter Francia Márquez

Durante a Conferência de Segurança deste ano em Munique, Alemanha, a vice-presidenta da Colômbia Francia Márquez levantou uma provocação: "Temos que nos perguntar: o que nos faz sentir inseguros?". Afrofeminista e premiada ativista ambiental em um dos países que mais mata pessoas que lutam pela proteção ao meio ambientena América Latina, segunda a Global Witness, Márquez levou ao evento mais importante em discussão de políticas de segurança internacional um outro modo de olhar para o tema: "Não podemos solucionar o problema da insegurança com armas," declarou.

A proposta parece romper com os paradigmas instaurados sobre como combater a insegurança nos territórios e o que significa atuar em contextos de violência. A fala da vice-presidenta, dirigente em um país atravessado por décadas de conflito armado, propõe uma visão desmilitarizada sobre a segurança e uma nova ordem mundial com base na defesa da vida.

Seguindo a política de "paz total" que o partido Pacto Histórico traz para a Colômbia, isso seria possível colocando no centro os grupos marginalizados e que são atores fundamentais para a subsistência das comunidades e sociedades, durante e depois dos conflitos. "Foram as mulheres quem reconstruíram os países no pós-guerra, na Alemanha, em vários países na África e na América Latina", pontuou Francia, na ocasião.

Uma perspectiva feminista

São os grupos sociais mais vulnerabilizados e, portanto, mais afetados em situações de conflito e insegurança, que propõem e lutam, em primeiro lugar, para uma abordagem mais ampla sobre a problemática. Correntes do feminismo na América Latina vêm discutindo sobre o que significa essa abordagem integral, enquanto trazem para a discussão um dos grupos que são alvo de diferentes modos de violência nas sociedades.

Para a advogada Natalia D'Alessandro, ex-funcionária do Ministério da Segurança na Argentina, a chave está em aplicar e tornar as ferramentas políticas mais abrangentes. "Abordar a questão da segurança deve integrar necessariamente outras políticas, e não apenas o estabelecimento da ordem social e a punição", explica. "O Estado deve estar presente em sua amplitude de atores, dependências e intervenções políticas, desde desenvolvimento social até a cultura, educação, na inclusão dos jovens", diz D'Alessandro.

Na Argentina há um grande debate sobre o tema. Recentemente, as atenções se voltaram para a atuação do narcotráfico na cidade de Rosário, na província de Santa Fe, após um ataque com balas ao supermercado da família da esposa do jogador Lionel Messi. O episódio midiatizou um problema de longa data: Rosário tem os índices mais altos de assassinatos do país e é o local com maior incidência desse tipo de organização criminosa – que envolve, também, membros das próprias forças de segurança. 

A resposta que parte da direção política ao problema tende a ser unânime: envio de militares e poucas propostas efetivas sobre o que esses militares farão nos territórios.

"Infelizmente, este ainda é o senso comum na América Latina, reforçado sistematicamente pelos meios de comunicação, pelo mesmo capital financeiro econômico e também por uma visão de classe muito marcada", observa D'Alessandro.

"É uma ideia de política de segurança reativa e excludente, que espetaculariza o tema em uma tentativa de fazer um produto de mercado: mostram os territórios militarizados e difundem as condições de tensão nas prisões, como acontece em El Salvador sob a gestão de Nayib Bukele, como se esse fosse o objetivo. Como se construir uma linha eficaz em termos de segurança significasse violar direitos."

Representatividade

Portanto, a representatividade em espaços de tomadas de decisão torna-se uma pauta relevante para pensar políticas públicas e pautar na agenda a abordagem integral sobre questões de segurança. Segundo os dados globais mais atualizados da Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres, em 2021, 21,9% dos ministérios eram comandados por mulheres e apenas 19,2% em países em situação de conflito ou pós-conflito.

A mestre em relações internacionais e especialista em segurança internacional, Mila Campbell, joga luz sobre o cenário atual do Brasil com a nomeação das ministras da Igualdade Racial, Anielle Franco, e dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, além da primeira secretária-geral mulher no Ministério das Relações Exteriores, Maria Laura da Rocha.

"A gente tem que reconhecer isso também como resultado de uma luta, muitas vezes silenciada, para que mulheres atinjam cargos hierárquicos no Estado", aponta. "É um marco muito importante ver mulheres não só no ativismo da sociedade civil, mas tendo destaque, por exemplo, na política exterior brasileira."

Nesse sentido, há também um olhar direcionado para a presença das mulheres nas missões de paz. "A agenda de mulheres, paz e segurança é muito forte, e foi iniciada pela resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU", afirma Campbell. "Essa resolução traduz a necessidade de se colocar mulheres não só nos debates sobre a resolução de conflitos, mas também dentro das missões de paz. Temos militares brasileiras reconhecidas internacionalmente pela atuação em cenários de conflitos e pelo cuidado que têm para que os mandatos das missões tenham esse compromisso com a agenda de mulheres e segurança."

No caso da Colômbia, território de estudo da pesquisadora, a organização de mulheres nos territórios afetados pelo conflito armado e a luta contra o narcotráfico incidiu sobre o próprio Acordo de Paz, assinado em 2016 entre o governo e as guerrilhas. O documento inclui uma perspectiva de superação de desigualdades históricas no país, como a de gênero.

"Há indicadores de políticas públicas derivadas desse arcabouço do Acordo de Paz na questão de gênero", diz a pesquisadora. "São políticas direcionadas às mulheres como principais representantes das famílias, porque os parceiros tiveram que se alistar na guerrilha ou no paramilitarismo; às mães solo; e às que atuaram para que suas próprias comunidades tivessem algum tipo de subsistência num cenário de conflito armado. São mulheres que têm uma grande dificuldade de ter o seu empoderamento socioeconômico", pontua. "Por isso, a presença da Francia como vice-presidenta da Colômbia é um pouco dessa combinação histórica: de um reconhecimento do papel que as mulheres tiveram e têm na superação das violências."

Edição: Patrícia de Matos