Na manhã desta quinta-feira (9), foram publicados os fundamentos da sentença contra a vice-presidenta argentina Cristina Kirchner no processo judicial sobre obras públicas durante sua gestão como presidenta da República. O anúncio que justifica a condenação era aguardado desde dezembro, quando o veredito do Tribunal Oral Federal 2 sentenciou Kirchner a 6 anos de prisão e inabilitação perpétua para cargos políticos por supostos desvios de verba em 51 obras públicas na província de Santa Cruz. Em um esquema inicialmente apontado como associação ilícita – acusação da qual Kirchner foi absolvida –, funcionários da então presidenta teriam beneficiado o empresário Lázaro Baez em licitações.
Em 1.616 páginas, os juízes Jorge Gorini, Andrés Basso e Rodrigo Giménez Uriburu sustentam a acusação contra Cristina Kirchner e outros 12 implicados na investigação, concluindo que, entre 2003 e 2015, houve "expressa conivência e proteção de organismos estatais para garantir a plena atividade do consórcio empresarial controlado por Lázaro Báez".
"Após haver examinado os fatos em toda sua extensão – 'o filme completo', apelando à metáfora –, a política pública que seu governo pregava pressagiando um benefício sem precedentes para a extensa província patagônica, na verdade escondia, como um cavalo de Troia, o orçamento indispensável para o desenvolvimento exitoso da atuação criminosa", escreveram os magistrados.
Das 51 obras públicas, cinco foram avaliadas pela perícia, e apenas três foram consideradas nos fundamentos publicados nesta quinta. Os juízes também retomam mensagens de texto de 2015, extraídas do celular do ex-Secretário de Obras Públicas de Kirchner, José Francisco López, apresentadas como evidências pela acusação de uma suposta operação para cessar as atividades ilícitas após a mudança de governo - Mauricio Macri, do partido de direita Proposta Republicana, PRO, venceu a eleição presidencial desse ano. Os juízes concluem que as menções a uma "senhora" nas mensagens, a quem López se refere, trata-se, indubitavelmente, da então presidenta Cristina Kirchner.
"Apesar de que, dentro do Poder Executivo Nacional, a administração geral do país desde a reforma constitucional de 1994 é exercida pelo chefe do gabinete, o Presidente da Nação também é 'responsável político pela administração geral do país'. Isso implica uma responsabilidade jurídica e política, com projeções civis e penais", diz um trecho do fundamento.
A organização kirchnerista La Cámpora convocou uma vigília na noite anterior, na quarta-feira (8), no Palácio dos Tribunais em apoio à vice-presidenta. Um grande ato foi convocado pela militância peronista para este sábado, dia 11, no município de Avellaneda. As agrupações incentivam a candidatura de Cristina Kirchner para a eleição presidencial deste ano, já que a vice anunciou em dezembro, ao receber a sentença considerada injusta, que "não se candidataria a nada".
O presidente Alberto Fernández também condenou as operações judiciário-midiáticas contra Kirchner, durante seu discurso de abertura das sessões legislativas do ano. Fernandez mencionou particularmente as diversas travas nas investigações da tentativa de assassinato contra Cristina, ocorrida em setembro do ano passado.
A partir da publicação dos fundamentos, a defesa tem 10 dias úteis para apresentar a apelação na Câmara de Cassação Penal.
Juízes negam lawfare
Durante o processo judicial, Cristina Kirchner apontou contra o tribunal e afirmou que "sua sentença já estava escrita". O caso seria mais um capítulo de uma longa investida da oposição contra a líder peronista.
:: Cristina Kirchner acusa "Estado paralelo" judicial em 1º ato público após sentença na Argentina ::
A respeito desta afirmação, os juízes dedicaram um espaço do documento para retrucar as acusações: "Nada que não se tenha visto ou ouvido antes: especulação eleitoral, perseguição política, operação midiática, caso armado, tentativa de proscrição, falsa denúncia, conspiração, direito penal do inimigo, complô, caça judicial. Poderíamos seguir com a longa lista de subterfúgios habituais com os que se reponde a uma investigação, processo ou sentença judicial. Agora parece mais sofisticado falar de lawfare (como se as coisas descritas em inglês tivessem mais valor) para definir algo que, na realidade, aparece apenas como uma nova teoria conspiratória - tão antiga como o próprio Estado de Direito."
Além do escândalo dos chats vazados no ano passado, que revela a amizade entre juízes, o Grupo Clarín, funcionários do Partido Republicano e dois dos juízes redatores dos fundamentos hoje divulgados têm especial vínculo com o partido Proposta Republicana (PRO), liderado por Mauricio Macri. Uma foto em suas redes sociais revelaram que o juíz Rodrigo Giménez Uriburu jogou uma partida de futebol em um sítio do ex-presidente Macri; além de ter, no mesmo time, o procurador Diego Luciano, parte da acusação no caso das obras públicas. Por sua vez, o juíz Jorge Gorini também foi alvo de críticas por ter se reunido em diversas ocasiões com Patricia Bullrich, ex-Ministra de Segurança de Macri e líder da ala mais reacionária da coalizão macrista Juntos por Cambio.
Edição: Patrícia de Matos