Análise

As revolucionárias vacinas cubanas; um fenômeno do século 21?

Desenvolvimento de vacinas por Cuba não é reação à covid-19, mas fruto de investimentos que vêm desde a década de 1960

São Paulo (SP) |
Vacina cubana Soberana 02 teve 91% de eficácia contra variantes da covid-1 - Reprodução / Twitter

Nos últimos meses vários amigos da intelectualidade, políticos e empresários brasileiros vieram se aproximar, refletindo sobre o surgimento das vacinas cubanas neste século XXI, sobretudo, ao conhecer o desenvolvimento acelerado de cinco produtos com essas características para combater a Covid-19. Não param de se surpreender: a pequena ilha, bloqueada e com poucos recursos, demonstra uma alta capacidade no desenvolvimento da ciência aplicada à saúde humana.

Mas o fenômeno não é um resultado fortuito do evento causal da covid-19. Trata-se de um processo lógico e intencional, para o bem-estar tangível do povo cubano. É o efeito de muitos anos de esforço e vontade, apostando na capacidade dos nossos cientistas e trabalhadores da saúde, trabalhando juntos para o bem social.

Um pouco de história: em 1º de julho de 1965, foi criado o Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNIC), que se tornou o primeiro centro científico multidisciplinar criado pela revolução. Tratava-se do impulso inicial, o embrião onde se formaram os pioneiros da biotecnologia em Cuba. Foi a partir daí que foram dados os primeiros passos para a produção do Interferon (IFN) recombinante alpha 2b, sob a supervisão e total apoio do Comandante em Chefe Fidel Castro.

O CNIC "deu à luz" mais de uma dezena de instituições científicas especializadas em biotecnologia e na produção de diversos produtos. Entre os "filhos" pródigos nasceu o Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia (CIGB) 1986, cujo primeiro projeto, de âmbito mundial, terminou com a produção de IFN recombinante alfa 2b. Surgiu então o Instituto Finlay (1991), especializado na criação e produção de vacinas. Enquanto isso, o Centro de Imunologia Molecular (CIM) foi fundado em 1994, apostando principalmente na criação de produtos inovadores para o tratamento de diversos tipos de Câncer.

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Para quais doenças Cuba produz suas próprias vacinas? Até o início da pandemia de COVID-19, Cuba havia alcançado a produção de cerca de 15 vacinas desde 1980 contra várias doenças:

.Vax-TET - vacina antitetânica para proteção ativa contra o tétano em todas as idades, criada  pelo Instituto Finlay em 1980.

.VA-MENGOC-BC - vacina contra o meningococo B e C, para a qual não havia outra disponível, criada pelo Instituto Finlay em 1989.

.Vacina recombinante contra hepatite B (HEBERBIOVAC HB) - produzida pelo Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia (CIGB) em 1990.

.Vax-SPIRAL - vacina contra a leptospirose criada pelo Instituto Finlay em 1998.

.Vacina polissacarídica contra a febre tifóide (Vi vax-TyVi) - desenvolvida pelo Instituto Finlay e destinada à proteção ativa contra a febre tifóide em crianças a partir dos 2 anos de idade e adultos em risco de contrair a doença. Foi introduzida no Programa Nacional de Imunizações em 2002.

.Quimi-Hib - vacina conjugada contra Haemophilus influenzae tipo B em antígeno totalmente sintético, indicada para imunização ativa contra doenças invasivas causadas por Haemophilus influenzae tipo B, para crianças de 2 meses a 5 anos de idade. Inscrita no registro de saúde em 2003.

.Vacina contra difteria-tétano (VA-DIFTET) - fabricada pelo Instituto Finlay e pelo Centro de Pesquisa-Produção de Vacinas e Soros. Registrada em 2004 é indicada para a proteção ativa contra difteria e tétano em crianças entre 5 e 6 anos de idade.

.Vacina Difteria-Antitétano-Antipertussis (DTP-vax) - indicada para proteção ativa contra difteria, tétano e coqueluche em crianças entre 2 e 18 meses de idade, elaborada pelo Instituto Finlay e registrada em 2004.

.Vacina difteria-antitétano para adultos (DT difTe-vax), indicada para proteção ativa contra difteria e tétano em adultos e produzida pelo Instituto Finlay.

.Vacina CIMAVAX-EGF, registrada no CECMED em 2008 e fabricada pelo Centro de Imunologia Molecular (CIM) para o tratamento de pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas em estágios avançados.

.Vacina Heberpenta pentavalente, que protege contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e infecção por Haemophilus influenzae tipo B. Foi criada pelo CIGB, registrada em 2010, e é aplicada em crianças a partir de 6 semanas de idade. Constituiu a segunda vacina deste tipo registrada em nível mundial.

.Vacina antimeningite (vax-MEN-AC) específica para os sorotipos A e C, fabricada pelo Instituto Finlay e envasada no Brasil.

.Vacina VAXIRA para o tratamento do câncer de pulmão de células não pequenas em estágio avançado. Fabricada pelo CIM e registrada em 2013.

.Vacina Polissacarídica Antimeningocócica A, C e W135 (vax-MEN-ACW135), produzida pelo Instituto Finlay de Vacinas e registrado em 2013. É indicada para crianças e adultos a partir de 2 anos de idade, para imunização ativa contra doença meningocócica causada pelo meningococo dos sorogrupos A, C ou W135.

.HeberNasvac, vacina terapêutica recombinante contra a infecção pelo vírus da hepatite B, criada pelo CIGB e registrada em 2013. É indicada para imunoterapia ativa contra infecção pelo vírus da hepatite B e para a prevenção de suas possíveis consequências, como cirrose hepática, insuficiência hepática crônica e carcinoma hepatocelular primário.

No caso específico do combate ao SARS-COV-2, o CIGB, o Instituto Finlay e o CIM uniram forças para conseguir, em muito pouco tempo, avançar em 5 projetos nacionais (SOBERANA01, SOBERANA02, SOBERANA PLUS, ABDALA e MAMBISA), três das quais já possuem resultado final e garantem o processo de imunização contra este flagelo. Toda a população cubana foi vacinada com SOBERANA02 e ABDALA, recebendo posteriormente também o reforço de SOBERANA PLUS, todas com mais de 92% de eficácia de acordo com os ensaios clínicos realizados. A ciência cubana demonstrou criatividade e perseverança, a ponto de criar medicamentos de qualidade e resultados notáveis e tangíveis.

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Com sua modesta capacidade, a ilha caribenha conseguiu a comercialização internacional de muitas das  vacinas aqui mencionadas, em todos os continentes. Também contribui para a cooperação internacional frente a epidemias e fenômenos pandêmicos. Dada esta circunstância, Cuba recebeu o reconhecimento de vários países e da OMS.

Como suporte fundamental deste processo científico, o Registro Público Cubano de Ensaios Clínicos foi estabelecido em 2007 e consiste em um banco de dados desenvolvido pelo Centro Nacional de Coordenação de Ensaios Clínicos com a colaboração de Infomed para este tipo de registros. Cumprindo com os requisitos da Plataforma de Registro Internacional da OMS para ensaios clínicos, em 2011 recebeu o status de registro primário e se tornou o primeiro registro latino-americano nesta categoria. Isso garante a vinculação das instituições cubanas às boas práticas de produção, especialmente no caso de vacinas, e realização de ensaios clínicos confiáveis.

Tudo isso é uma amostra do que pode ser atingido com recursos mínimos, mas com grande vontade humana. Sem o bloqueio econômico, comercial e financeiro dos Estados Unidos, o potencial de Cuba seria muito maior. De qualquer forma, a pequena ilha continuará a contribuir para a saúde no mundo.

Estas e outras oportunidades podem ser aproveitadas por qualquer cidadão do mundo, através da Companhia Cubana de Serviços Médicos.

*Cándido Inocente é jornalista cubano.

**Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Nicolau Soares