O futebol às vezes nos brinda com histórias que, por terem dimensões humanas pra lá de improváveis, aquecem a alma até de quem nunca ligou muito para o esporte. Uma dessas histórias aconteceu na última terça (14): um time semi-amador do país mais pobre das Américas eliminou uma das principais equipes da nação mais rica do planeta.
A missão foi ainda mais difícil do que parece: o Violette A.C. do Haiti teve que mudar meio time, encontrar jogadores nascidos no Haiti que estivessem em solo dos EUA (amadores e profissionais) para compor o elenco antes de enfrentar o Austin FC no Texas. Tudo isso porque uma parte significativa do seu elenco, incluindo quatro titulares, foi barrada pela imigração estadunidense. Apenas 12 jogadores puderam entrar no país. O regulamento da Liga dos Campeões da Concacaf, que reúne times das Américas do Norte e Central, não permitiria que o clube jogasse a partida com esse número de atletas, que seria eliminado por W.O.
Mais: enquanto o Austin foi o quarto colocado no campeonato nacional dos EUA, o Violette não disputou o Haitiano porque não houve campeonato no ano passado, culpa da violência no país. O time ficou quase um ano sem disputar um mero jogo oficial.
Ainda assim, foi o time haitiano que se classificou para as quartas de final da Concachampions. A partida de ida das oitavas de final - disputada na vizinha República Dominicana, já que não havia segurança para o jogo acontecer no Haiti - teve ares de milagre, quando o Violette arrancou uma tão incrível quanto improvável vitória por 3x0.
Na volta, jogada na arena texana, os estadunidenses não conseguiram igualar o placar, vencendo por apenas 2x0, insuficientes para a classificação, apesar de tentarem, e muito.
O jogo em si pareceu um massacre. O Austin teve 76% de posse de bola, chutou 35 bolas na meta haitiana e ainda contou com um senhor frangaço do goleiro do Violette no segundo gol. Ainda assim, não deu.
"Há mais no Haiti do que as manchetes dizem. Há muito tempo falo isso, existem muitos talentos no Haiti. Por causa da forma como o país é, no entanto, não somos reconhecidos", havia declarado o capitão Saba, antes da partida, ao site The Athletic.
"Para nós, esse jogo é maior que o futebol, lutamos por nosso país inteiro”, completou o haitiano, que também trabalha numa loja de ferragens.
O Violette agora enfrentará nas quartas de final o Tauro, do Panamá ou León, do México. Já para o Austin, que saiu de campo de cabeça quente, ensaiando confusão com o adversário, resta o consolo de ter ajudado a construir um épico que já está na história do futebol.
Veja abaixo (com narração em inglês) os melhores momentos do jogo:
Edição: Rodrigo Durão Coelho