O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse ao Supremo Tribunal Federa (STF) que não pode instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos porque parte dos signatários do pedido de criação do colegiado não está mais no mandato. O argumento se baseia no fato de que o requerimento foi apresentado em janeiro, logo depois dos ataques registrados aos prédios dos três Poderes no dia 8, enquanto uma nova legislatura teve início em fevereiro.
A manifestação de Pacheco se deu no âmbito de um mandado de segurança que tramita na Corte e que foi ajuizado pela senadora Soraya Tronicke (União-MS) em 16 de fevereiro. Ela pede que o presidente do Senado seja obrigado a instalar imediatamente a comissão por ter cumprido todos os requisitos necessários. A parlamentar acusa o senador mineiro de agir de forma “antidemocrática” e ainda de “omissão”, “resistência e interesse pessoal contra a instalação da comissão”.
As normas vigentes exigem o apoio de um terço dos senadores, a indicação do fato a ser apurado e informações como número de membros da CPI, prazo de duração dos trabalhos e limite das despesas do colegiado. O tema é disciplinado pelo artigo 58 da Constituição Federal e regulamentado pelo regimento interno do Senado em associação com um conjunto de leis federais.
O pedido de CPI foi apresentado por Tronicke e continha 40 assinaturas, 13 a mais que o mínimo exigido pelas normas para que um requerimento dessa natureza seja protocolado na Casa. No documento enviado por Pacheco ao STF, assinado por quatro advogados do Senado, o presidente alega que o detalhe da temporalidade do pedido também precisa ser considerado.
“Embora a criação de CPI constitua um direito das minorias, na compreensão já consagrada do STF e da doutrina constitucional, há limites formais que devem ser observados no exercício desse direito. Uma legislatura não pode cometer à legislatura seguinte o dever de criar ou de prosseguir em inquérito parlamentar. O Congresso Nacional que se instala a partir de 1º de fevereiro do primeiro ano de uma legislatura, reflexo da vontade popular manifestada pelos resultados das eleições gerais, não pode ser limitado pelas deliberações de natureza temporária da legislatura precedente”, diz o documento, ao citar a Lei 1.579/1952, que trata de CPIs.
A referência citada pelos advogados se baseia na ideia de que uma CPI, ao ser instalada, também não pode ultrapassar o período da legislatura em que foi criada. A regra consta não só na legislação de 1952, mas também no regimento do Senado, segundo destaca a assessoria jurídica de Pacheco. “Além disso, a CPI ostenta disciplina legal própria, especial, que, de regra, tolhe o seu trânsito entre legislaturas, ante a previsão de arquivamento do requerimento ao final da legislatura, sem a possibilidade jurídico-política de seu aproveitamento automático pela legislatura subsequente. A nova legislatura, contudo, é livre para aprovar nova peça de criação de CPI com o mesmo objeto”, acrescentam os assessores.
Contraponto
Horas após o envio da resposta de Pacheco ao STF, Soraya Tronicke se manifestou por meio de nota oficial dirigida à imprensa. A parlamentar disse que “a argumentação trazida por ele não se aplica ao caso concreto” pelo fato de se tratar de norma relativa “à hipótese de CPIs em funcionamento”.
“O presidente mencionou o artigo 332 do regimento interno, mas não mencionou em seu texto que o inciso II do artigo diz claramente que não serão arquivadas proposições de senadores que estejam no curso do mandato ou que tenham sido reeleitos. Portanto, é dever da presidência do Senado Federal promover a leitura [do pedido] e instalar a CPI”, acrescenta a senadora do União Brasil. Ela indicou que seus assessores irão enviar documento ao relator do caso no STF, ministro Gilmar Mendes, para contrapor os argumentos de Pacheco.
Cenário
O contexto em que se insere o debate sobre a CPI envolve o governo Lula e sua base no Congresso. A gestão, que, no calor dos fatos de 8 de janeiro, em janeiro, chegou a defender e ventilar a ideia de uma comissão parlamentar de inquérito para apurar as invasões, passou a ver a iniciativa com maus olhos desde fevereiro. Lula enfrenta dificuldades para compor uma base sólida no Legislativo e teme que a CPI prejudique as costuras políticas, uma vez que CPIs em geral são vistas com reservas porque expõem o governo e acabam servindo de palanque para opositores que queiram chamar a atenção da imprensa.
Apesar de contar com assinaturas de parte da base do governo, o pedido de CPI acabou virando instrumento de parlamentares identificados com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que tentam imputar à gestão Lula eventuais responsabilidades sobre os ataques. A estratégia é uma forma de inverter a narrativa de que as invasões se devem ao perfil extremista de apoiadores mais radicais de Bolsonaro.
Enquanto o jogo de forças pende entre um lado e outro do tabuleiro, o STF discute o assunto por meio do pedido feito pela senadora Soraya Tronicke. Um dos argumentos da parlamentar é o de que o plenário do Supremo já reconheceu, em abril de 2021, que a instalação de CPIs independe do crivo do presidente da Casa, desde que o requerimento apresentado pelos parlamentares cumpra os requisitos legais.
Isso porque a instalação de CPIs é considerada pelo STF como direito de minorias, ou seja, como espaço para que opositores possam atuar e fiscalizar governos. Foi com base nesse entendimento que a CPI da Covid foi instalada no mesmo mês, logo após a decisão da Corte.
O precedente preocupa interlocutores de Lula no Congresso, que seguem tentando embarreirar o pedido para evitar maiores dores de cabeça. A eventual instalação da CPI significaria uma derrota para o governo, por isso a gestão tem investido no corpo a corpo com parlamentares da base que assinam o pedido. A estratégia é demandar a retirada dessas assinaturas para comprometer o quórum de 27 apoios necessários à criação do colegiado.
CPMI
Um outro pedido de investigação dos ataques de 8 de janeiro circula no Congresso, desta vez um requerimento de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), tipo de colegiado que envolve membros das duas casas legislativas. Os apoiadores conseguiriam reunir mais de 180 assinaturas na Câmara e mais de 30 no Senado, o que deu força política ao pedido, apresentado no final de fevereiro.
O governo Lula vem cultivando o entendimento de que, em caso de não se conseguir barrar mais os pedidos, uma eventual CPI no Senado tenderia a ser menos barulhenta do que uma CPMI. A avaliação se dá pelo fato de que no Senado o ambiente é mais favorável à produção de acordos do que na Câmara. Mas os acenos de Pacheco têm vindo no sentido contrário.
Apesar de ter rechaçado junto ao STF a ideia da CPI, o presidente disse recentemente que iria ler o pedido de criação da CPMI no plenário, requisito fundamental para a efetivação do colegiado, mas não havia dado prazos. Já na terça (14), após a manifestação enviada à Corte sobre o caso da CPI, Pacheco deu nova declaração sobre o assunto e disse que irá reunir os líderes das bancadas para definir a data da próxima sessão do Congresso Nacional, espaço no qual deverá ser lido o requerimento de instalação da CPMI. “Espero, nos próximos dias, ter já a designação e a realização dessa sessão do Congresso Nacional, para se garantir inclusive o direito da minoria em relação à questão”, emendou.
Edição: Vivian Virissimo