"Mentiroso", disse o ex-coronel uruguaio Jorge Néstor Troccoli ao jornalista uruguaio Roger Rodríguez que depôs esta manhã (16/03) na Terceira Corte de Assis do Tribunal de Roma.
A declaração foi dada em voz baixa, quando o jornalista deixou o banco de testemunhas e se dirigiu à saída. A testemunha retrucou a ofensa segundos depois, quando passou em frente ao acusado e afirmou: "não sou mentiroso e você sabe que tenho como provar o que disse”.
Troccoli tem 81 anos e já está cumprindo uma condenação perpétua por crimes cometidos durante a Operação Condor contra cidadãos italianos. Atualmente, ele se encontra na prisão Gian Battista Novelli, em Carinola, na província de Caserta.
Ex-oficial do Serviço Secreto da Marinha Uruguaia (Fusna), ele agora responde processo pela morte e desaparecimento do casal ítalo-argentino Rafaela Filipazzi e José Agustín Potenza e pelo desaparecimento da professora uruguaia Elena Quinteros, militante do Partido da Vitória do Povo (PVP).
A Operação Condor foi uma rede de colaboração entre as ditaduras da América do Sul que tinha como objetivo reprimir a oposição política entre os anos 1970 e 1980.
Segundo Rodríguez, outro aspecto da Operação Condor era “que cada Estado se ocupasse de matar de seus próprios presos políticos, ou ao ‘seu próprio lixo’, que era como a repressão se referia a eles”.
O jornalista investiga há anos os casos de violações de direitos humanos cometidos durante a ditadura militar uruguaia. Segundo ele, a colaboração entre Argentina e Uruguai começou em janeiro de 1974, antes mesmo da Operação Condor.
“Essa colaboração nasceu para prender os presos políticos uruguaios que estavam na Argentina. No inicio implicava em trocar informaçoes sobre os exilados posterioremente passaram a trocar também os prisioneiros em maneira ilegal. Em novembro de 1974, seis pessoas foram presas na Argentina e levadas para o Uruguai, entre elas um menino, que foi a primeira criança desaparecida. Depois de trinta anos, tive a oportunidade de entrevistar Júlio Abreu, o único sobrevivente desse episódio. A partir de 1975 [ano em que se iniciou a Operação Condor], a repressão explodiu”, disse Rodríguez.
Segundo a testemunha, Troccoli fugiu do Uruguai quando o país começou a investigar os crimes de lesa humanidade. Alguns militares que dividiram operações com ele foram condenados. Rodríguez lembrou que assim como Troccoli, Mato Narbondo, outro militar uruguaio condenado no Processo Condor de Roma, também deixou o país devido às investigações envolvendo o seu nome. “Hoje, o Brasil está analisando o pedido da Itália para que ele cumpra sua pena em alguma prisão em território brasileiro”, disse.
Sobre Troccoli, o jornalista disse ter tido acesso a vários documentos que demonstram que o ex-militar esteve em Buenos Aires em novembro de 1977, entre eles uma lista de passageiros que mostra o nome de Troccoli no assento 37, e que também contém o nome de outros dois oficiais.
Segundo Rodriguez, foi justamente em dezembro daquele ano que o governo uruguaio passou a ser mais rigoroso em suas atividades repressivas. Os primeiros desaparecidos são de 1978.
“Troccoli mesmo admitiu no livro que escreveu, chamado ‘A ira de Leviatã’, que foi a Buenos Aires fazer cursos na Escola de Mecânica da Marinha Argentina (Esma)”, completou o jornalista, mencionando um dos mais conhecidos centros de tortura da ditadura daquele país.
“Quinteros estava no Fusna antes do seu desaparecimento”
O historiador Álvaro Rico, cujo depoimento começou por volta das 14h30, fez uma exposição do contexto histórico, convalidando o testemunho da pesquisadora italiana Francesca Lessa, em audiência realizada em fevereiro. Rico afirmou que a relação entre os agentes da S2 e da S3 [órgãos de inteligência uruguaios] era estreita e as chefias de cada uma dessas entidades [Troccoli e Juan Carlos Larcebau] eram trocadas constantemente entre si. “Troccoli foi da S3 e depois da S2”, explicou.
“A prisão de [Elena] Quinteros é um fato comprovado. Sobre isso não existe dúvida, assim como não existe nenhuma dúvida de que essa prisão se deu em um contexto de repressão muito grande contra o PVP”, disse o historiador.
No entanto, existe uma controvérsia sobre o lugar onde Quinteros ficou presa: a primeira versão diz que ela foi levada ao centro “300 Carlos”, mas a declarações do capitão Álex Lebel, em novembro de 2000, afirma que Quinteros estava presa em um edifício do Fusna antes do seu desaparecimento.
“Segundo fontes de uma jornalista, os oficiais que participaram da operação da prisão de Quinteros foram Larcebau e Troccoli. Lebel foi chamado para responder novamente diante do Tribunal se aquela informação da jornalista era verdadeira e disse que ‘não é incorreta’”, contou Rico.
Em 17 de novembro de 2000 Level afirmou ao tribunal de honra do Uruguai que a Quinteros estava presa no Fusna antes de seu desaparecimento.
As vítimas
Elena Quinteros foi sequestrada em Montevidéu em 24 de junho de 1976 e levada para um centro de detenção clandestino. Em 28 de junho, ela fingiu que entregaria um companheiro numa zona próxima à embaixada da Venezuela. Quinteros conseguiu escapar e entrar nos jardins da sede diplomática, onde pediu asilo, mas oficiais uruguaios entraram na embaixada e a prenderam.
O fato gerou uma ruptura das relações diplomáticas entre os dois países. Quinteros era militante do Partido Vitória do Povo (PVP) e foi levada para um centro de tortura. Depois disso, nunca mais foi encontrada. Em uma ficha dos arquivos do Fusna ela aparece como morta entre os dias 2 e 3 de novembro de 1976.
O casal Filipazzi e Potenza foram seqüestrados em Montevidéu em 27 de maio de 1977 no Hotel Hermitage e entregues à unidade S2 dos Fuzileiros Navais (Fusna). Tempos depois, foram transportados de avião para Assunção e recebidos por agentes da ditadura de Alfredo Stroessner.
Segundo as investigações, eles foram assassinados no Paraguai, onde seus restos mortais foram encontrados, em março de 2013.
Opera Mundi é o único veículo da imprensa brasileira, que desde 2015, acompanha os julgamentos na Itália dos crimes cometidos por torturadores do Cone sul no âmbito da Operação Condor.