Depois que a gente começou a plantar, e saía toneladas para doação, aquilo foi me cativando
Devanir Vicente da Silva guarda na memória o momento de sua acolhida no acampamento Fidel Castro, no município de Centenário do Sul, no Paraná, em 2004.
"Cheguei aqui com duas mudas de roupa e R$ 50 no bolso, porque estava numa situação já difícil na cidade. Fui muito bem recebido. Então, para mim, o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] é uma grande família", relata.
Entre sentimentos e experiências, os anos se passaram e Devanir vê o sentimento de solidariedade se manifestar além do território do acampamento. No período mais intenso da pandemia, por exemplo, foi criado o Centro de Produção Antônio Tavares com a proposta de ajudar as famílias em situação de vulnerabilidade social e econômica.
"Quando nós tivemos o início da pandemia, em uma das reuniões que estivemos com o pessoal [do setor] de agricultura e de produção, e também com a direção geral do MST, foi uma solução para a gente tentar ajudar o povo que estava passando necessidade nas periferias das grandes cidades. E através dessas reuniões, a gente montou os centros de produção Antônio Tavares", recorda Silva.
A iniciativa surgiu no contexto nacional em que o MST realizou ações de solidariedade no auge da crise sanitária. Com o Centro de Produção Antônio, a produção de hortas agroecológicas passou a ser compartilhada com famílias de cidades vizinhas. O trabalho permanece sendo feito até hoje, com a doação de alimentos limpos e saudáveis.
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Ceres Hadich, da direção nacional do MST no Paraná, afirma que a pandemia de covid-19 influenciou na perspectiva do movimento de oferecer comida de verdade para a sociedade.
"Estávamos entendendo a necessidade de comer bem, do direito a comida saudável de verdade para termos uma imunidade boa e saúde para enfrentarmos a pandemia. Mas, além disso, [as ações] surgem também com esse propósito imediato, que é poder fazer esse alimento também chegar a maioria da população, especialmente nos centros urbanos próximos a nós, que estavam, sem condições sequer de plantar, quem dirá de acessar um alimento, uma comida de verdade", ressalta a diretora.
A agricultora Márcia dos Santos Nery Borges trabalha no Centro de Produção Antônio Tavares e relata o prazer de fazer parte das ações de doação dos alimentos.
"Eu trabalho na agricultura orgânica, já tem dois anos que a gente trabalha com isso, eu e o meu esposo. Depois que a gente começou a plantar, e dali saía toneladas de alimentos para doação, aquilo foi me cativando, e eu fui tendo mais gosto de continuar ali dentro trabalhando", afirma Borges.
Doações
Em toda a região de Centenário do Sul, foram doadas aproximadamente 60 toneladas de alimentos saudáveis pelas comunidades do MST. Somente do Acampamento Fidel Castro, foram em torno de 30 toneladas de doações, desde o início da crise sanitária.
"Você vê no olhar das famílias que estão recebendo aquelas cestas, com aqueles alimentos, a gratidão deles no olhar, por estarem em casa sem poder trabalhar, ou até mesmo terem perdido os seus empregos, essa doação que a gente faz é um alento para essas pessoas", destaca Silva.
Antônio Tavares
Hoje, em todo o estado do Paraná, são 23 hortas comunitárias que levam o nome e legado de Antônio Tavares, que foi assassinado, em 2000, em uma ação da Polícia Militar do Paraná, em Campo Largo (PR), no massacre na BR-277, durante o governo de Jaime Lerner. Na época, as famílias camponesas participavam de uma marcha pela reforma agrária. A homenagem a Antônio Tavares, com o Centro de Produção no Acampamento Fidel Castro, veio no momento que se completaram 20 anos do crime.
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Acampamento
O acampamento Fidel Castro existe desde 2008, quando trabalhadores e trabalhadoras sem-terra ocuparam uma área deixada pelo grupo Atalla, grande produtora de cana-de-açúcar da região, que não atua mais. Além dele, mais quatro acampamentos do Movimento surgiram nesta mesma região.
Em referência ao nome do acampamento, Diego Moreira finaliza: “tenho certeza que se o Fidel Castro passasse por aqui ele nos daria um 'muy bien compañeros', porque nós estamos indo no caminho certo”.
Edição: Daniel Lamir