Uma operação encabeçada pela Polícia Anticorrupção e pelo Ministério Público atingiu em cheio o meio político venezuelano. As autoridades investigam supostos casos de corrupção por parte de juízes, prefeitos, governadores e, principalmente, dirigentes da PDVSA, a estatal petroleira da Venezuela.
Após diversas prisões realizadas desde a última sexta-feira (17), o ministro do Petróleo, Tareck El Aissami, renunciou ao cargo e o presidente Nicolás Maduro prometeu reestruturar a empresa "nos níveis mais altos de comando".
Os fatos abriram uma crise no setor, que vinha lutando para se recuperar economicamente após anos de baixa produtividade e sanções impostas pelos EUA. Na noite desta terça-feira (21), Maduro anunciou que o recém-empossado diretor da PDVSA, Pedro Tellechea, também será o novo ministro do Petróleo do país.
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Apesar das repercussões, no entanto, o MP e a Polícia ainda não apresentaram, até esta quarta-feira (22), um balanço da operação que envolvesse a quantidade de detidos, a identidade dos suspeitos e os supostos crimes pelos quais são investigados.
Quem foi preso?
No domingo (19), a Polícia divulgou a primeira - e única, até o momento - lista de detidos, com quatro nomes: Cristóbal Cornieles Perret e José Mascimino Marquez, juízes em Caracas; Pedro Hernández, prefeito do município de Las Tejerías; e Joselit Ramírez, diretor da Superintendência de Criptoativos da Venezuela (Sunacrip).
Apesar de o procurador geral da República, Tareck William Saab, afirmar em entrevista à emissora Radio Onda na última segunda-feira que nos próximos dias seriam feitas outras prisões, o MP e a Polícia não divulgaram informação sobre novas detenções.
Já nesta terça-feira (21), o presidente do Legislativo, Jorge Rodríguez, afirmou que 19 pessoas já haviam sido presas, mas não ofereceu detalhes.
Além dos quatro detidos divulgados oficialmente pela Polícia Anticorrupção, outros seis nomes de pessoas que teriam sido presas foram divulgados pela imprensa venezuelana e ao menos um foi confirmado pelo próprio Parlamento: o deputado Hugbel Roa, do partido governista PSUV.
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A prisão de Roa já havia sido adiantada por jornais locais na noite do domingo, mas em sessão realizada nesta terça-feira, a Assembleia Nacional confirmou que o deputado estava detido por suspeita de corrupção e aprovou a retirada de sua imunidade parlamentar.
Citando uma "fonte ligada às investigações", a agência AFP aponta que Roa possuía vínculos com o ex-governador de Sucre, Edwin Rojas, que também teria sido preso. Ambos seriam sócios do empresário Alejandro Arroyo, ex-presidente do clube de futebol Mineros de Guayana.
Já a imprensa local cita alguns nomes de funcionários da PDVSA que, também, teriam sido detidos, embora essas detenções não tenham sido confirmadas pelas autoridades. Segundo o diário Tal Cual, Antonio Pérez Suárez, vice-presidente de Comércio e Fornecimento de Qualidade, Samuel Testamarck, gerente geral da subsidiária PDV Marina, e José Agustín Ramos Chirinos, gerente de Prevenção e Controle de Perdas, estão presos.
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Nesta segunda-feira, a operação passou a atingir também o setor privado. Segundo o portal venezuelano La Tabla, o empresário Rafael Rodríguez Perdomo, um dos proprietários da construtora HP, está entre as pessoas que foram encarceradas pela Polícia Anticorrupção.
Em nota, a empresa, que é responsável por vários empreendimentos no bairro de classe média alta de Caracas chamado Las Mercedes, negou envolvimento em qualquer caso de "corrupção ou tráfico de influências, utilização ilegal de capitais ou financiamento de organizações políticas e dirigentes políticos".
Quais são as acusações?
Segundo o comunicado emitido pela Polícia Anticorrupção na última sexta-feira, data de início da operação e das primeiras prisões, os suspeitos podem estar envolvidos em "graves atos de corrupção administrativa e malversação de fundos".
Além disso, o documento afirma que os casos investigados teriam ocorrido "no Poder Judiciário, na indústria petroleira e em algumas prefeituras do país", sem deixar claro se todos fazem parte do suposto esquema.
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Na noite de segunda-feira, o presidente Nicolás Maduro convocou uma reunião partidária e deu declarações sobre a operação. Além de prometer "limpar" a PDVSA, o mandatário mencionou alguns casos como, por exemplo, o de Pedro Hernández, prefeito de Las Tejerías, e o acusou de possuir laços com grupos criminosos.
"Está plenamente comprovado nas investigações o seu vínculo direto com o grupo criminoso do assassino conhecido como 'el Conejo', seus vínculos, seus negócios, é uma coisa incrível", disse. Carlos Enrique Gómez Rodríguez, chamado de "el Conejo", é procurado pela polícia, acusado de homicídio e formação de quadrilha.
O que aconteceu na PDVSA?
As falas de Maduro apontam que as investigações que ocorrem em prefeituras e tribunais não necessariamente dizem respeito ao suposto esquema de corrupção na PDVSA.
Alguns jornais e até deputados venezuelanos falam em desvio de dinheiro dos cofres da empresa estatal, que chegariam a US$ 3 bilhões de dólares.
Segundo uma fonte do Judiciário venezuelano ouvida pelo Brasil de Fato, é possível que também existam casos de lavagem de dinheiro. "Agora, para sabermos quais são os delitos, temos que esperar o MP apresentar as acusações formais", disse.
Em matéria publicada nesta terça-feira, a agência Reuters afirma que a PDVSA teria um desfalque de mais de US$ 21 bilhões de dólares em contas a receber de negociações feitas com intermediários para "driblar" sanções impostas pelos EUA.
Ainda segundo a agência britânica, a cifra explicaria a decisão tomada em janeiro pelo diretor da empresa, Pedro Tellechea, de suspender envios de carregamentos que não fossem pagos no embarque.
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De acordo com uma fonte da indústria petroleira venezuelana ouvida pelo Brasil de Fato, toda a conjuntura de asfixia criada pelo bloqueio, que obrigou a empresa a construir caminhos alternativos para fluxos financeiros e de mercadoria, faz com que seja complicado investigar possíveis casos de desvio e lavagem de dinheiro.
Além disso, a fonte afirma que as limitações de negociações impostas pelas sanções dos EUA contra a PDVSA poderia explicar que empresários privados também estivessem envolvidos nos supostos casos de corrupção na estatal.
Isso porque, ao estar bloqueada, a PDVSA é obrigada a "contratar empresas contratistas que a representam em negociações internacionais". "Essas contratistas não podem mover esse dinheiro livremente porque ele está sancionado por ser da PDVSA". Então, muitas vezes, essas empresas acabam "investindo esses recursos em outros setores da economia venezuelana" como, por exemplo, o ramo de construção civil, explica.
Edição: Patrícia de Matos