O Rio Grande do Norte completou, na madrugada desta quinta-feira (23), dez dias seguidos de ataques orquestrados realizados por facções do crime organizado. Pelo menos dois incêndios criminosos foram registrados na última noite, um em Natal e outro na cidade de Lagoa Nova. E mais de 170 pessoas já foram presas até aqui, segundo o poder público. As medidas tomadas de lá para cá, porém, são insuficientes, segundo especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato.
Entre as principais ações até aqui, estão a transferência de líderes de facções que estavam em unidades de detenção comuns (até mesmo fora do estado) para presídios federais, de segurança reforçada; e o envio de centenas de agentes da Força Nacional, que reforçaram o policiamento nas ruas.
O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rafael Alcadipani, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que a resposta dos governos - a nível estadual e federal - é muito semelhante às ações que foram tomadas em outros episódios do tipo, registrados em estados como Amazonas e São Paulo, e que não evitaram que voltassem a acontecer situações similares.
"Eu acho que a resposta é que 'sempre o governo é pego de surpresa', e vem com o mesmo plano de sempre, que é mandar a Força Nacional, que é transferir lideranças, sem um enfrentamento efetivo às facções criminosas. É preciso uma organização nacional, uma estruturação nacional para um combate efetivo ao crime organizado no Brasil, e não é isso que está acontecendo, infelizmente. Estamos enxugando gelo", avaliou Alcadipani.
Para Alcadipani, o Brasil está "refém" desses grupos, e é preciso mudar paradigmas para que situações como a do estado nordestino não voltem a acontecer no futuro.
Alcadipani propõe a criação de uma força-tarefa nacional, que envolva a Polícia Federal, forças policiais estaduais e as Forças Armadas, além da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), para garantir um enfrentamento efetivo das organizações criminosas. Além disso, é preciso ir a fundo no combate à corrupção de agentes públicos de segurança.
"O crime organizado corrompe muitos agentes públicos no Brasil, e a gente não vê um enfrentamento efetivo para isso. Enquanto isso não acontecer, enquanto a gente não começar a enfrentar o crime organizado com inteligência, com articulação de esforços, com enfrentamento à corrupção de agentes públicos, vamos viver situações como essa do Rio Grande do Norte", alertou.
"Temos que aprender com isso"
Diante dos ataques, a população potiguar tem vivido dias de tensão e pouco acesso a serviços públicos. A coleta de lixo está suspensa ou reduzida em diversos municípios. Serviços de saúde não essenciais têm sido frequentemente cancelados. Aulas foram suspensas em diversas instituições de ensino. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por exemplo, só retomará as atividades na próxima segunda-feira (27) - isso se a situação acalmar.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o delegado de polícia Fernando Alves, coordenador do setorial de Segurança Pública do PT no Rio Grande do Norte, afirma que, além das respostas imediatas, é preciso aprender com a crise. O governo do estado é chefiado pela também petista Fátima Bezerra.
"Temos a responsabilidade ímpar de aprender com isso. E, na hora de aprender, reformular. Somos partidários, como sempre fomos, de uma reforma policial e de uma reforma do sistema prisional. Reformas essas que são mais que necessárias e são reformas que tão e simplesmente elas seguem os ditames da Constituição brasileira de 1988", destacou.
Militante do Movimento Policiais Antifascismo, Alves defende um rompimento com o "modelo autoritário de Estado herdado nos últimos 40 a 50 anos". Para ele, há uma boa oportunidade para essa discussão em um momento em que o governo estadual é chefiado por Fátima Bezerra, filiada ao mesmo partido que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"É desafiador para governos democráticos progressistas e populares, pela via legislativa, ou mesmo pela via política, tentar, de fato, uma devida vontade e boa vontade pública, tentar, aí, superar esse modelo e apontar para novos horizontes. É isso que defendemos", complementou.
Edição: Nicolau Soares