As pessoas precisam se apropriar daquilo que é de necessidade delas
Transformar um território densamente povoado através da alimentação saudável. Uma tarefa que não é simples, mas que guia o trabalho de três coletivos da Brasilândia, Zona Norte de São Paulo: Preto Império, 7 Jovens e Saberes Ambientais.
“Pessoas são colocadas, incentivadas a consumir alimentos que não são in natura. E, ao mesmo tempo, a cimentar, tratar a folha seca, o chão de barro, como sujeira. Então essas hortas, que a gente vem buscando amplificar, vão na contramão desse fluxo, no sentido de a pessoa poder vir aqui, cultivar, ou só visitar e colher a fruta do pé. A pessoa vê a simplicidade, que ela ter um balde em casa e poder plantar quatro coisas num balde, não uma só”, aponta Dimas Reis, do coletivo Preto Império.
A Brasilândia tem cerca de 264 mil habitantes, distribuídos em 43 subdistritos. A vista da Serra da Cantareira, as trilhas na mata e outras belezas tornam a paisagem da região única. Dentro desse cenário, uma população majoritariamente negra, que teve que buscar formas de sobreviver às desigualdades. Vinte e cinco por cento da população da Brasilândia vive em favelas. É a segunda maior taxa entre os 96 distritos de São Paulo.
“Antigamente, tinha mais área verde. Hoje, há mais moradias construídas. Então, quando tinha mais áreas verdes, tinha bastante cultivo, tinha mais benzedeiras, tinha mais parteiras, tinha mais erveiros. Esse saber vem se perdendo, conforme a necessidade de sobrevivência. E aí o foco no pagar dívidas, pagar as contas, ter uma estrutura mínima”, ressalta Dimas.
A doação de cestas de alimentos orgânicos das hortas da Preto Império, 7 jovens e Saberes Ambientais, foi fundamental para manter as famílias alimentadas durante o período mais agressivo da covid-19. O educador ambiental Bruno Batista destaca que o objetivo dos coletivos agora é ecoar ainda mais os saberes agroecológicos no bairro, garantindo autonomia e segurança alimentar.
“As pessoas precisam se apropriar daquilo que é de necessidade delas. É importante, nesse sentido, porque a gente tem um adensamento populacional muito grande. Com a pandemia, a gente teve muitas perdas de emprego e as pessoas precisam se alimentar, antes que qualquer coisa. Então, é muito importante que as pessoas que sofrem e que necessitam, sejam detentoras daquilo que é necessidade delas”, afirma Bruno.
O educador ambiental define o trabalho na Saberes Ambientais como um centro de educação ambiental. O espaço existe há 20 anos. E ele coordena os trabalhos desde 2019. E, no local, há de tudo um pouco. Abacate, banana, acerola e outros tipos de frutíferas, além de Plantas Alimentícias Não Convencionais – as chamadas PANC – e hortaliças.
“São trinta anos morando nesse espaço, porém, só agora, eu tive a oportunidade de contribuir com o desenvolvimento desse lugar, de fazer com que as pessoas aprendam a produzir seu próprio alimento. Eu acho que é uma demanda muito urgente, que a gente tem aqui no território”, aponta Bruno.
A horticultora Michele Patrícia Costa auxilia com o manejo das plantas e na manutenção do espaço. Ela é mãe de 3 filhos e celebra a atuação do projeto. “A gente acaba plantando banana. A gente acaba plantando couve. A gente planta uma salsinha. A gente planta uma coisa que, às vezes, no mercado, a gente não tem dinheiro pra comprar. A gente plantando, acaba levando pra casa. Já é uma renda que você tem. Aquele dinheiro que você vai fazer uma feira, você já compra outra coisa”, explica Michele.
A manutenção dos espaços na Brasilândia é um desafio para os próximos quatro anos. E quem vive a experiência, garante que a produção agroecológica faz parte de um processo de retomada ancestral, como relata Bruno.
“Hoje a gente tem a popularização de questões como agroecologia, agricultura urbana, mas dificilmente vem de pessoas que vivenciaram, que criaram um processo. Acho que é mais a questão do resgate de uma coisa que já é nossa. Sempre foi nossa. Hoje você tem ela difundida de forma comercial, mas não alcança as pessoas que realmente estão precisando. Eu acredito que é resgatar, mesmo, o que partiu da minha bisavó, que veio anterior a ela, e que faz parte da minha vida, porque eu vivi isso. A única coisa que mudou foi chegando na cidade, mas é a dinâmica ainda é a mesma”, afirma.
Para Dimas, a ancestralidade está presente todo o tempo. “Eu acho que é dizer que o ancestral está vivo. Se você for mapear e observar, a maioria das hortas são pessoas pretas na periferia que estão conduzindo. Pretas, afro-indígenas ou ameríndias, são essas pessoas. O ancestral está vivo. É como se tivesse continuando a cultivar, a repassar as técnicas”, conclui.
Edição: Rodrigo Gomes