Coluna

Bebê Diabo

Imagem de perfil do Colunistaesd

Ouça o áudio:

Trabalhei uns tempos numa instituição dessas, produzindo material didático, e tinha um sujeito com cargo de chefia que era muito ruim de serviço - Marcelo Camargo / Agência Brasil
Um dos diretores era o pai dele. Esse chefete era conhecido como Bebê Diabo

Sesc, Sesi, Senai, Senac e outras instituições de setores da economia são mantidas por parte da folha de pagamentos de empresas, mas administradas pelas instituições patronais, como a Fiesp. 

Trabalhei uns tempos numa instituição dessas, produzindo material didático. E tinha um sujeito com cargo de chefia que era muito ruim de serviço. Como conseguiu? Um dos diretores era o pai dele. Esse chefete era conhecido como Bebê Diabo.

O apelido surgiu quando o jornal Notícias Populares criou uma história fantasiosa de um menino que nasceu com a cabeça pontuda, como se fosse um início de chifre. E o chamava de Bebê Diabo. E o cara a quem me refiro também tinha a cabeça careca e pontuda. 

Uma vez alguém criou coragem e foi falar com o pai dele, dizendo que o filho era muito incompetente, não merecia o cargo que tinha, nem mesmo um emprego qualquer ali. O velho respondeu: “Eu sei disso, mas o que você quer, que ele viva à minha custa até morrer?”. 

A tal instituição tinha garagens no subsolo. Nós, técnicos e alguns chefes, tínhamos que estacionar o carro no terceiro subsolo. 

Um dia, indo trabalhar, vi uns colegas dirigindo meio alucinados, ultrapassando carros de maneira muito arriscada. Consultei o relógio e vi que faltava uns minutos pras oito e meia da manhã, horário limite pra gente entrar no trabalho. Mas não estávamos atrasados, dava tempo... Parei o carro no semáforo e vi o motivo da correria: ao lado do meu, um carro com o Bebê Diabo dirigindo. 

O Bebê Diabo não conseguia descer de uma vez a rampa da garagem com curva em caracol. Tinha que ir manobrando: quase encostava o para-choque na mureta, dava ré, ia pra frente de novo, dava ré de novo... Gastava um tempão pra chegar lá embaixo e quem estava atrás dele batia o ponto atrasado.

O Bebê Diabo, como chefe de seção, não tinha que bater ponto. Mas nós tínhamos. 

Se a gente atrasasse um minuto, além de desconto no salário, ficávamos com a ficha suja no quesito pontualidade. Cinco atrasos eram motivo para punições e para não ser promovido. Numa instituição em que a produtividade era substituída por essa pontualidade artificial, um Bebê Diabo atrapalhava a vida da gente, né? Esse atrapalhava muito. Ele era ruim até pra dirigir. E a punição sobrava pra nós. 

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Gomes