Um dos diretores era o pai dele. Esse chefete era conhecido como Bebê Diabo
Sesc, Sesi, Senai, Senac e outras instituições de setores da economia são mantidas por parte da folha de pagamentos de empresas, mas administradas pelas instituições patronais, como a Fiesp.
Trabalhei uns tempos numa instituição dessas, produzindo material didático. E tinha um sujeito com cargo de chefia que era muito ruim de serviço. Como conseguiu? Um dos diretores era o pai dele. Esse chefete era conhecido como Bebê Diabo.
O apelido surgiu quando o jornal Notícias Populares criou uma história fantasiosa de um menino que nasceu com a cabeça pontuda, como se fosse um início de chifre. E o chamava de Bebê Diabo. E o cara a quem me refiro também tinha a cabeça careca e pontuda.
Uma vez alguém criou coragem e foi falar com o pai dele, dizendo que o filho era muito incompetente, não merecia o cargo que tinha, nem mesmo um emprego qualquer ali. O velho respondeu: “Eu sei disso, mas o que você quer, que ele viva à minha custa até morrer?”.
A tal instituição tinha garagens no subsolo. Nós, técnicos e alguns chefes, tínhamos que estacionar o carro no terceiro subsolo.
Um dia, indo trabalhar, vi uns colegas dirigindo meio alucinados, ultrapassando carros de maneira muito arriscada. Consultei o relógio e vi que faltava uns minutos pras oito e meia da manhã, horário limite pra gente entrar no trabalho. Mas não estávamos atrasados, dava tempo... Parei o carro no semáforo e vi o motivo da correria: ao lado do meu, um carro com o Bebê Diabo dirigindo.
O Bebê Diabo não conseguia descer de uma vez a rampa da garagem com curva em caracol. Tinha que ir manobrando: quase encostava o para-choque na mureta, dava ré, ia pra frente de novo, dava ré de novo... Gastava um tempão pra chegar lá embaixo e quem estava atrás dele batia o ponto atrasado.
O Bebê Diabo, como chefe de seção, não tinha que bater ponto. Mas nós tínhamos.
Se a gente atrasasse um minuto, além de desconto no salário, ficávamos com a ficha suja no quesito pontualidade. Cinco atrasos eram motivo para punições e para não ser promovido. Numa instituição em que a produtividade era substituída por essa pontualidade artificial, um Bebê Diabo atrapalhava a vida da gente, né? Esse atrapalhava muito. Ele era ruim até pra dirigir. E a punição sobrava pra nós.
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Gomes