Coluna

Como políticas intersetoriais de agroecologia podem garantir alimentação adequada e saúde

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A agroecologia fortalece o protagonismo das mulheres e a luta contra o racismo, a preservar a biodiversidade, a mitigar os efeitos das mudanças climáticas e promover a saúde em diferentes formas - MST
A agroecologia gera renda e dignidade para pessoas que passam maior vulnerabilidade

O desafio de superar a fome e assegurar o direito da população brasileira à alimentação saudável e adequada voltaram ao centro da agenda política governamental, após o período de desmonte de políticas públicas duramente conquistadas pela sociedade civil organizada desde a promulgação da Constituição de 1988. 

Entramos em um período de reconstrução. Não se trata de reproduzir o que foi construído no passado. Vivemos outro período, com novos desafios e novos sujeitos políticos que, de uma forma ou de outra, estão engajados na construção da agroecologia. 

O  debate traz como centralidade a alimentação, a nutrição, a produção de comida de verdade e a agroecologia. Tudo isso pautado por outra lógica de pensar a alimentação, não apenas voltada a alimentar e nutrir, mas como um tema transversal na perspectiva dos direitos humanos, que precisa ser incorporada em todas as instâncias de participação social e políticas públicas do governo. 

Nesta terça-feira (28), a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realizam o seminário “Direito Humano à Alimentação Adequada, Agroecologia e Saúde: políticas públicas de futuro”, na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz, no Rio de Janeiro (RJ).

Um dos principais objetivos do encontro é promover o debate entre representantes de organizações da sociedade civil e do governo federal em torno do desafio de instituir um novo ciclo de políticas que considere o caráter intersetorial e a necessidade de efetivação e aperfeiçoamento dos mecanismos de participação social na gestão pública. 

O evento também terá como perspectiva a discussão em torno da construção de políticas públicas capazes de superar, de forma integrada, desafios priorizados pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dentre eles, a superação da fome, da desnutrição e da má alimentação, o enfrentamento das desigualdades sociais e o combate às mudanças climáticas.

"Embora a questão da fome tenha voltado corretamente à centralidade política do governo, estamos outra vez assistindo movimentos de captura dessa agenda por parte dos grandes conglomerados econômicos do setor agroalimentar. São justamente eles os responsáveis pela reconversão de grandes extensões territoriais, antes dedicadas à produção de alimentos saudáveis, para a produção de commodities agrícolas voltadas à indústria de alimentos e à exportação. São responsáveis também pelo aumento exponencial do consumo de alimentos ultraprocessados pela população brasileira", afirma Paulo Petersen, integrante do núcleo executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e membro da diretoria da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia).

A agroecologia deve ser entendida como um enfoque orientado à reestruturação dos sistemas alimentares, desde os processos de produção até o consumo, passando também pela transformação e a distribuição dos alimentos. Portanto, é um assunto de interesse de toda a sociedade.

As iniciativas de pesquisa-ação conduzidas pela ANA nos últimos anos demonstram que políticas coerentes com os fundamentos da agroecologia já existem e estão bem disseminadas em todas as esferas federativas. Mas revelam também a necessidade de aprimoramentos, para que sejam melhor conectadas umas às outras, numa perspectiva intersetorial voltada a aproximar a produção do consumo alimentar. Isso requer a efetiva participação de organizações da sociedade civil na concepção e na gestão das políticas.  

Por exemplo, qual o impacto para a população de feiras de alimentos agroecológicos com verduras, frutas e legumes das culturas locais e preços subsidiados, ao lado de cada unidade do Sistema Único de Saúde (SUS)? E o que dizer de restaurantes populares e cozinhas comunitárias com alimentos agroecológicos e a garantia de alimentação escolar com a compra da agricultura familiar? Os exemplos são citados por Maria Emília Pacheco, também integrante do núcleo executivo da ANA, para explicar o que significa uma política de abastecimento alimentar popular, relacionada com políticas de saúde e integrando a atuação de diferentes órgãos e ministérios do governo.

"Depois de um tempo de silenciamento imposto de forma autocrática aos sujeitos de direitos, é hora da cidadania ativa exercer o controle social nos espaços institucionais de concertação entre governo e sociedade, como os conselhos Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e Condraf (Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável), e as comissões, como a CNAPO (Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica). O seminário será um momento importante para este diálogo", acrescenta Pacheco.

A intersetorialidade proposta pelo seminário busca romper com a lógica fragmentada das políticas: quando se tem políticas públicas formuladas na concepção de sistemas - Sistema Único de Saúde, Sistema Único de Assistência Social, Sistema de Segurança Alimentar Nutricional -, estamos falando de sistemas que necessariamente envolvem ações, não de uma pasta específica do Ministério da Saúde ou do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, mas de um conjunto de ministérios.

Há também várias iniciativas do SUS que abordam a importância da agroecologia para a saúde e, na Fiocruz, diferentes áreas de trabalho atuam na interface entre saúde e agroecologia há pelo menos 20 anos. "O tipo de política pública que a gente precisa fazer avançar não são políticas públicas que partam do zero, mas que olhem pras experiências que foram construídas nas últimas duas décadas, e há muitas experiências importantes, e que sejam políticas públicas construídas em rede de baixo pra cima com protagonismo de quem vive nos territórios, na articulação, Estado, sociedade civil", aponta André Burigo, da Agenda de Saúde e Agroecologia, sob coordenação da Vice-presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) da Fiocruz.

"A dimensão de perspectiva territorial é importante porque a gente acredita justamente que quando vamos aos territórios é onde conseguimos radicalizar a participação social, conseguimos direcionar as políticas públicas pras necessidades reais e mais concretas", complementa Burigo.

A relevância da agroecologia para a saúde é reconhecida pelo menos desde a 10ª Conferência Nacional de Saúde (1996) e se expressa por meio de diferentes políticas, a exemplo da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (2006), da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (2006), da Farmácia Viva (2010), da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (2011), da Vigilância em Saúde de Populações Expostas aos Agrotóxicos (2012), do Guia Alimentar para a População Brasileira (2014), do Guia Alimentar para Crianças Brasileiras menores de 2 anos (2019) e do Programa Nacional de Saneamento Rural (2019).

Todas essas políticas estão muito fragilizadas e precisam ser fortalecidas. A agroecologia vai além da produção de alimentos saudáveis. Ela diz respeito a gerar renda para as pessoas que vivem em situações de maior vulnerabilidade, gerando dignidade no campo e na cidade. Também diz respeito a fortalecer o protagonismo das mulheres e a luta contra o racismo, a preservar a biodiversidade, a mitigar os efeitos das mudanças climáticas e promover a saúde em diferentes formas. Então a agroecologia realmente precisa estar no centro das políticas públicas.

*Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressam a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho