Lançado em 10 de março deste ano, o documentário História Mal Contada – os feminicídios na cobertura jornalística agora está disponível para ser assistido online. Com 27 minutos e produzido pela Lilás Filmes, de Florianópolis, o vídeo faz parte de uma pesquisa do grupo Transverso, intitulada "Os feminicídios em Santa Catarina e a cobertura jornalística: mapeamento de um problema público".
O documentário traz o olhar de várias mulheres, lideranças de movimentos sociais e pesquisadoras sobre a cobertura de feminicídios na imprensa. Também traz resultados da pesquisa do Transverso, que durante dois anos mapeou e analisou notícias sobre feminicídio divulgadas em mídias jornalísticas de Santa Catarina, no período entre 2015, ano da promulgação da lei do feminicídio no Brasil, e 2021.
Como parte dos resultados, o grupo identificou um aumento do uso do termo feminicídio nos últimos anos, a utilização de fontes policiais e masculinas como predominantes nas matérias, falta de um tratamento mais aprofundado sobre os crimes e sobre as causas das violências de gênero que os produzem.
História Mal Contada – os feminicídios na cobertura jornalística está disponível para visualização no site do Grupo de Pesquisa Transverso: Estudos em Jornalismo, Interesse Público e Crítica, do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), responsável pela realização. Pode ser acessado a partir do link: https://transverso.ufsc.br/cobertura-de-feminicidios/ .
O projeto de pesquisa do qual o documentário é um dos resultados que teve o apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa da UFSC e foi contemplado com financiamento destinado ao apoio a novos pesquisadores da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc).
Violência de gênero noticiados na imprensa
Na ocasião do lançamento, a Universidade realizou uma roda de conversa debateu a cobertura jornalística de casos de feminicídio. Foi composta pela professora e coordenadora da pesquisa sobre a cobertura jornalística de feminicídios em Santa Catarina, uma das coordenadoras do Grupo de Pesquisa Transverso (UFSC), Terezinha Silva; pela coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU/SC), Luciana Freitas; pela jornalista do portal NSC Total, Catarina Duarte; pela jornalista do portal Gênero e Número, Schirlei Alves; pela doutoranda em psicologia (PPGP/UFSC), Verônica Bem dos Santos; e pela representante do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC/SC), Patrícia Klock. A mediação do evento foi realizada pela professora, jornalista e integrante do Grupo Transverso, Fernanda Nascimento.
As jornalistas Catarina Duarte, do portal NSC Total, e Schirlei Alves, do portal Gênero e Número, descreveram a vivência da mulher jornalista dentro das redações na cobertura de casos de feminicídio. "É possível notar uma diferença muito grande de como as redações dos portais feministas tratam casos de feminicídio em relação às grandes mídias", ressalta a Schirlei. Catarina também observou a importância da conscientização e orientação dentro das matérias. "Cada vez mais matérias estão trazendo notas de serviço, mostrando como buscar ajuda e denunciar casos de violência", aponta.
A coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU/SC), Luciana Freitas abordou sua vivência enquanto mulher negra, mãe, educadora quilombola, mestra em Educação pela UFSC e doutoranda na UFSC. Luciana pontuou que são poucas as mulheres negras que conseguem fazer trajetória semelhante à dela, pois, na grande maioria, são as que mais sofrem diversos tipos de violências, sendo que muitas vezes os casos de mortes de mulheres negras não são notificados como feminicídio. A ativista também ressaltou a importância de compreender o contexto e os marcadores sociais que levam mulheres a serem vitimadas. Segundo ela, nas coberturas de feminicídios, o jornalismo não deveria se preocupar com os dois lados, com o contraditório, mas deveria tomar partido pelas mulheres vitimadas.
A doutoranda Verônica Bem dos Santos, que analisa inquéritos de feminicídio e estuda como são produzidas as categorias de vítimas neste tipo de crime, apresentou alguns aspectos de sua pesquisa na roda de conversa. "Em todos esses inquéritos, nota-se o ideal de maternidade, de feminilidade. Casos que correspondem a esse ideal têm mais atenção da mídia, da investigação, tem mais atenção do Estado. Por que algumas mulheres merecem ter sua morte reconhecida pela questão de gênero e outras mulheres ficam de fora? Mortes de mulheres racializadas, mortes de mulheres em contexto de tráfico ou prostituição não são, muitas vezes, nem reconhecidas pelo contexto de gênero", aponta.
A representante do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC/SC), mestranda Patrícia Klock, compartilhou sua própria experiência como mulher no campo e ressaltou a importância da escuta das mulheres camponesas. "A distância física é uma questão a se pensar quando falamos de feminicídio. Muitas das entrevistas feitas com mulheres no campo são por internet, por telefone. E as que não tem essa comunicação? Precisamos pensar nas mulheres no campo e as condições de vulnerabilidade, pois quem se desloca para ir à cidade, ao mercado, é o homem, não a mulher. Quem tem o dinheiro é o homem, não a mulher. A mulher produz, trabalha no campo, mas quem tem a renda? O homem. Precisamos pensar na autonomia dessa mulher em questões de renda, políticas públicas e educação, para a mulher camponesa ter sua própria vida. A gente tem que buscar conhecer e ouvir o que elas precisam", ressalta.
Além da fala das representantes, também houve debate aberto ao público presente. A advogada Iris Gonçalves Martins ressaltou a importância de pensar no pós-feminicídio. "Existe uma segunda morte que é sobre a memória dessas mulheres. Como ficam esses filhos dessa mulher que foi morta? Como fica essa família dessa mulher?", questiona.
A roda de conversa foi encerrada pela professora e coordenadora da pesquisa sobre a cobertura jornalística de feminicídios em Santa Catarina, Terezinha Silva. Ela ressaltou a complexidade do problema das violências que geram feminicídios, que são estruturais e estão presentes na história e na cultura de uma sociedade que é machista, patriarcal e sexista, e que precisa se educar em diferentes frentes para transformar essa triste realidade.
"O documentário História Mal Contada, assim como a discussão proposta na roda de conversa de hoje, são algumas das contribuições que esperamos estar trazendo, somando-nos aos esforços de tantas e tantos que antes de nós têm produzido trabalhos fundamentais, dentro e fora das universidades, para discutir e pensar ações para o enfrentamento de um problema que não é só das mulheres: é público, é da sociedade, é nosso também, jornalistas, estudantes, pesquisadores(as) e professores(as) de jornalismo", afirma Terezinha.
*Com informações do Portal Transverso
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Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira