Faltavam poucas horas para a partida do voo escolhido para Jair Bolsonaro (PL) vir ao Brasil pela primeira vez na condição de ex-presidente da República quando a imprensa brasileira anunciou que a Polícia Federal (PF) já tinha agendado um encontro: na próxima quarta-feira (5) ele terá de dar explicações sobre o caso das joias da Arábia Saudita.
Essa pode ser a primeira de muitas vezes que Bolsonaro terá de se explicar a autoridades públicas. Os supostos presentes enviados pelos árabes são apenas o assunto mais quente, mas o ex-presidente poderá ser convocado para falar, por exemplo, sobre a incitação de atos antidemocráticos ou a desastrosa gestão de seu governo durante os períodos mais agudos da pandemia de covid-19.
Bolsonaro parece ter consciência de que seu futuro político está nas mãos da Justiça. No último dia 14, por exemplo, questionado nos Estados Unidos se tentará voltar ao Planalto em 2026, ele reconheceu a possibilidade de se tornar inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Existe essa possibilidade de inelegibilidade, sim. A questão de prisão, só se for uma arbitrariedade", disse na ocasião.
Segundo levantamento recente feito pelo jornal Folha de S. Paulo, oportunidades não faltarão para que ele seja julgado, já que o agora ex-presidente enfrenta pelo menos 16 ações de investigação no âmbito da Justiça Eleitoral - e qualquer uma pode tirar dele o direito de se eleger a cargos públicos. Ainda de acordo com a Folha, integrantes do TSE querem acelerar a tramitação desses casos.
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Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha derrubado, em 2019, a prisão de pessoas condenadas em segunda instância, uma condenação neste mesmo nível é suficiente para a inelegibilidade, de acordo com a legislação eleitoral. Ou seja: caso uma sentença de um tribunal de Justiça seja confirmada por um segundo tribunal, já está determinado que um cidadão não pode disputar cargos públicos.
Apesar de o caso deixar muita gente ansiosa, uma eventual condenação no caso das joias sauditas pode demorar muito tempo. Se as investigações da PF concluírem que existem indícios de prática de crime, caberá ao Ministério Público Federal promover ação penal contra Bolsonaro, e só aí iniciaria um processo em primeira instância - e ele poderá recorrer, se condenado.
Nesse caso específico, Bolsonaro poderia ser condenado pelo crime de peculato (quando um agente público se apropria de dinheiro ou outros bens utilizando-se do cargo que ocupa). Outra possibilidade seria uma ação de improbidade administrativa, como explicou ao Brasil de Fato o advogado criminalista José Carlos Portella Junior, integrante do coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (AAD).
Para o especialista, o caso que mais rapidamente poderia levar o ex-presidente à condição de inelegível é o inquérito do STF sobre os atos antidemocráticos. Centenas de pessoas já foram presas nos últimos meses no âmbito desse que foi chamado de um "super inquérito" por Portella Junior. O volume de prisões se acentuou após o quebra-quebra promovido por bolsonaristas na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro.
"Isso correria no STF, não porque o Bolsonaro tem foro privilegiado, mas porque o [ministro relator do inquérito] Alexandre de Moraes entende que, havendo pessoas com foro privilegiado que estão articulando esses atos antidemocráticos, as demais pessoas envolvidas com elas também devem ser julgadas junto com essas outras pessoas no STF", explica o advogado. "Seria o caminho mais rápido até para a inelegibilidade do Bolsonaro, porque o STF é primeira e única instância".
Prisão é possibilidade?
Para que ele seja preso, é necessário o trânsito em julgado, ou seja: que não caibam mais recursos na Justiça. Isso certamente levaria muito tempo. O especialista, porém, afirma que é preciso pressão popular para que o ex-presidente responda pelos atos e omissões durante os quatro anos em que ocupou a cadeira mais importante da política nacional. Para ele, existe a chance de os crimes cometidos por Bolsonaro saírem impunes.
"Então demanda que os partidos de esquerda, sindicatos, movimento estudantil, movimentos sociais de um modo geral pressionem o Judiciário e o Ministério Público, a polícia, para que a coisa ande. Se não, não vai andar. A gente sabe como é. Já foi feita anistia no passado, e se pode fazer uma anistia sem precisar de uma lei de anistia, simplesmente deixar que as coisas fiquem paradas até elas prescreverem", alerta.
Edição: Rodrigo Durão Coelho