“A ação do agronegócio na região de Buriticupu pode potencializar o fenômeno da voçoroca, na zona rural do município. Hoje, já se percebe os impactos nessas áreas.” A afirmação é de Marcelino Farias, geógrafo e professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
“O agronegócio em Buriticupu é sinônimo de morte. Destrói tudo, desmata tudo, envenena as pessoas, envenena a agricultura familiar, envenena a água e ameaça, de várias formas, a vida na região”, denuncia o educador popular Luiz Vila Nova, ex-líder de trabalhadores rurais, que exerceu dois mandatos de deputado estadual no Maranhão e segue morando na zona rural de Buriticupu.
Os novos abismos
O município maranhense de Buriticupu tornou-se notícia nacional por conta de abismos e crateras que estão avançando sobre a cidade, desabrigando famílias e provocando mortes (no mínimo cinco).
É dito que a cidade pode desaparecer. O governo federal decretou estado de calamidade pública. A mídia de mercado fala da chuva e do fenômeno geológico. A palavra desmatamento nem sempre aparece e quando aparece é como coadjuvante.
Diferente da mídia de mercado (que diz que o agro é pop), o Jornal Brasil de Fato fez uma matéria, em 2017, ligando o agronegócio com um drama vivido no Rio Grande do Sul, semelhante ao que ocorre hoje no município maranhense.
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O problema em Buriticupu aumentou por conta das fortes chuvas e também por conta do desmatamento. Neste caso seria um “desmatamento urbano”.
A área onde existe hoje o abismo foi afetada pelo que se chama de vaçoroca, que significa terra rasgada, na língua dos povos originários (tupi-guarani).
Pra quem não sabe, na mesma área onde tem o maior abismo da cidade havia uma plantação de caju, oriundo da agricultura familiar.
Oligarquias locais abriram espaço para o desmatamento e, atualmente, a área é similar a uma ocupação urbana, uma comunidade pobre, tida como “periférica” e desprovida de política pública.
Uma história de violência
Buriticupu foi uma cidade que nasceu dentro da floresta, na Amazônia Maranhense. É uma região marcada por diferentes formas de violência.
Na década de 1970 houve roubo e invasão de terras públicas, com a matança de povos originários, promovida por grandes empresas privadas, com a total cumplicidade do estado.
Na década de 1980, trabalhadores rurais organizados entraram na terra e expulsaram esses empresários (os grandes ladrões de terras), numa guerra civil que contou com a participação direta de Manoel da Conceição e Luiz Vila Nova, líderes de trabalhadores rurais, que tornaram-se educadores populares. A cidade nasce a partir daí. Essa história foi contada no livro 'Luiz Vila Nova – Memórias da vida e luta de um militante', editado pelo Núcleo Piratininga de Comunicação.
Por conta da ausência do chamado Estado Democrático de Direito, o município de Buriticupu (criado em 1994) seguiu marcado pelo quero, posso e mando.
Após a desapropriação das fazendas nascidas da grilagem na década de 1970, a região passou a ser assediada por madeireiros, a partir da década de 1990. Em seguida, veio o eucalipto e logo depois a soja, todos sinônimos de mais e mais violência, de mais e mais mortes.
Em uma região sempre visada por grandes exploradores, essa é a trilha da desgraça e da destruição no jovem município de Buriticupu. É gente que, inclusive, se utiliza do mesmo padrão de pistolagem, praticado na década de 1980.
Foram os madeireiros, depois os grandes plantadores de eucalipto e agora é a soja. São criminosos, que o sistema chama de “empresários”. Eles são os maiores abismos para a vida em Buriticupu.
* Antropólogo que atua junto a pastorais sociais da Igreja Católica.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Agência Tambor