Lidar com a violência e a agressividade dos clientes tem sido parte da rotina e motivo de preocupação para quem trabalha como entregador de aplicativo em várias cidades do país. No Rio de Janeiro não é diferente: as queixas e denúncias nas delegacias e escritórios de advocacia não param de crescer.
Adelline Costa Toledo, de 34 anos, foi vítima de agressão durante a entrega de um pedido na Tijuca, na Zona Norte do Rio. No dia 14 de fevereiro, ela realizou uma entrega pelo iFood no apartamento de um professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo Adelline, a falta de um refrigerante deu início a discussão por ele ter se recusado a pagar.
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"Eu subi para fazer a entrega e perguntei se era crédito ou débito. Ele falou 'cadê a Coca-Cola? Você tá com a Coca lá embaixo, você quer ficar com a minha Coca?'. Insinuou que eu estava com o refrigerante dele. Falei que o restaurante me entregou faltando. Ele puxou a comida da minha mão e tentou fechar a porta, mas eu coloquei o pé. Ele não podia ficar com a comida sem pagar", relembra.
A entregadora acusa o professor de tê-la agredido com chutes e empurrões. O caso foi registrado na polícia e encaminhado ao Juizado Especial Criminal (Jecrim). Uma audiência de conciliação está marcada para o próximo mês. A assessoria de imprensa da UFRJ não se posicionou sobre o caso. A reportagem não conseguiu contato com o professor.
"Depois de 5 dias eles [iFood] me ligaram para saber se precisava de um psicólogo. Não quis, mas no momento eu ainda estava abalada, claro. Tive receio de voltar a trabalhar, fiquei em casa uma semana. Não trabalho de carteira assinada, só dependo do iFood. Se eu não trabalhar, não recebo", relata Adelline, que trabalha de 12 a 16h por dia na plataforma.
Diante da ausência de amparo por parte do empregador, e consequentemente de direitos, Adelline recebe orientação jurídica do Núcleo Jurídico Popular Esperança Garcia e Benjamim Mota (NEB). A iniciativa do sindicato Geral Autônomo do Rio de Janeiro (SIGA-RJ) atende trabalhadores autônomos e informais.
Ítalo Pires, advogado da organização, comenta que para além da responsabilização do agressor, o projeto também busca contribuir na organização de categorias precarizadas para melhorar a compreensão sobre seus direitos.
"O caso da Adelline é simbólico, porque além de ser um trabalhador fragilizado enquanto categoria, também é uma mulher. É um caso exemplar para acompanhar as responsabilizações criminais do agressor, mas também o mundo do trabalho e suas particularidades diante dessa nova forma de exercício de atividades profissionais", ressalta Ítalo.
Caso não é isolado
No último mês, somente no iFood, pelo menos dois casos envolvendo diferentes tipos de agressões físicas tiveram repercussão na capital fluminense. Depois de Adelline, um jovem também foi agredido durante a entrega de um pedido.
Desta vez, o motivo foi ter recusado subir no apartamento do policial Alex Ramos Cabral em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio. A Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) não informou sobre o andamento do processo disciplinar contra o servidor e se ele está afastado das funções.
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Dias após o caso, o iFood publicou um artigo em seu site afirmando não tolerar agressão a entregadores e que, em caso de violência, poderá banir usuários do aplicativo. Um botão para o texto também foi adicionado na tela de rastreamento da encomenda.
Apesar de não ser obrigatório segundo a política do iFood, Adelline ainda é cobrada a subir em apartamentos. Ela acha que a plataforma poderia divulgar melhor a recomendação para os clientes buscarem o pedido na portaria. Do contrário, a situação gera mal-entendidos, ofensas, grosserias e até agressões.
"Os clientes no Rio são acostumados a receber o pedido na porta e acham que a gente tem obrigação. Quando a gente fala que não vai subir não gostam. Sinceramente, não me sinto segura, mas tenho que trabalhar", completa.
Procurada pelo Brasil de Fato, a empresa não respondeu se presta assessoria jurídica aos trabalhadores ou acompanha o desdobramento dos casos de agressão que vão para a justiça. Também não retornou se pretende veicular campanhas de conscientização, contra violência ou em solidariedade aos entregadores.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse