coloca água e ela vai ficando aqui filtrada com um gostinho diferente, mais saudável também
Ana Paula da Silva Nascimento é agricultora familiar e mora na zona rural de Alagoa Nova, no semiárido paraibano. Ela lembra de uma época em que não era atendida por políticas públicas de acesso à água.
"Carregava água lá da [casa da] minha sogra. E quando não tinha, eu ia buscar na casa da minha mãe, que era muito longe", recorda.
Ana Paula conquistou o direito de garantir água de beber em casa com a participação no Programa Um Milhão de Cisternas. A iniciativa começou a ser desenvolvida pela Articulação Semiárido (ASA) no início da década de 2000. Além da conhecida cisterna de placa, a agricultora teve acesso a outra importante tecnologia: o filtro de barro.
"Através da cisterna, veio o filtro junto. Aí eu fui por curiosidade, peguei e troquei o filtro de plástico e coloquei o de barro", afirma a agricultora, que usufruiu de mudanças positivas no dia a dia. "[A água] fica bem geladinha e já com o outro [filtro] já ficava quente quando dava meio-dia, aí tinha que trocar de novo. Aí foi bom pra mim, um descanso para mim, porque não precisa estar trocando direto", explica.
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Eficiência e contexto
Os filtros de barro são uma tecnologia social que garante a filtragem e a mineralização da água e são considerados a melhor tecnologia de filtragem do mundo. De acordo com o pesquisador estadunidense Colin Ingram, entre os benefícios estão a filtragem de chumbo e de parasitas causadores de diarreia e infecções intestinais. Ele é autor do estudo publicado no livro “The Drinking Water Book”, que em tradução livre para o português significa “O Livro da Água Potável".
"Uma das questões no imaginário do Semiárido é a turma bebendo água dos barreiros, que são aqueles reservatórios que pega a água da enxurrada e que vai junto com tudo, de escrementos de animais ao lixo das residências. Aquilo, lógico, provocava vários tipos de infecções, principalmente verminoses nas crianças", afirma Giovanne Xenofonte, coordenador da ONG Caatinga, que atua no sertão de Pernambuco.
Enquanto Rede ASA, Xenofante destaca a importância de um conjunto de tecnologias sociais para a boa convivência da população com o território semiárido. Além das cisternas de placas e filtros de barro, outros equipamentos favorecem o acesso à água para consumo humano, produção de alimentos e criação de animais. Ele aponta que um conjunto de iniciativas para a garantia de direitos e na mudança de uma imaginário de fome e sede da região.
"Aquilo era uma das paisagens que a gente sempre sonhou em mudar. Para as pessoas terem vida digna, como está no nosso slogan, 'para ter vida digna, precisa beber uma água de qualidade'", ressalta o coordenador do Caatinga.
Sucateamento e campanha
Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o Programa de Cisternas sofreu um corte de quase 100% no seu orçamento. De acordo com dados do Siga Brasil do Senado, de R$ 75 milhões de reais destinados em 2019, o recurso passou a ser pouco mais de R$ 2 milhões em 2023. Hoje mais de 350 mil famílias ainda aguardam as cisternas de placas.
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Para garantir a continuidade do programa e o acesso à água como um direito, a ASA passou a realizar de forma colaborativa a campanha “Tenho sede”. O que começou como um projeto para facilitar o acesso a cisternas, acabou se estendendo para a necessidade de garantir o acesso à água potável para a população.
"Quando a turma da pesquisa da ciência chegou para falar com a gente ‘olha, isso é um problema. Não dá pra ter um programa de políticas públicas que oferte água que não seja potável'. Pensamos em diferentes tipos de filtragem, experimentamos alguns tipos, de filtros mais físicos, pensamos inclusive no hipoclorito [de sódio] em uma parceria com os agentes de saúde. Mas aí se percebeu que o filtro de barro era algo que já era usado por parte das famílias agricultoras e que tinha uma eficiência muito grande no tratamento da água", destaca Giovanne.
Além da qualidade, a água nesses filtros pode ficar até 5 graus mais fria que a temperatura ambiente, por causa do contato com o barro, o que é um ponto positivo para quem mora no Semiárido.
"Com o tempo que a gente vai utilizando e percebendo a diferença de um [filtro] para o outro. Porque a gente vai lavar ele bem direitinho, coloca água e ela vai ficando aqui filtrada com um gostinho diferente, mais saudável também", atesta Ana Paula.
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Confira a reportagem em vídeo no Bem Viver na TV:
Edição: Daniel Lamir