Novas espécies

Djamila Ribeiro, Conceição Evaristo e Angela Davis são homenageadas por pesquisadora da Bahia

Novas espécies de algas registradas por equipe liderada por Priscila Barreto homenageia mulheres negras

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Pesquisadora baiana Priscila Barreto liderou equipe que descobriu novas espécies de algas cujos nomes homenageiam escritoras negras - Arquivo pessoal

A pós-doutora em Biologia, a baiana Priscila Barreto de Jesus, recentemente liderou um grupo de cientistas que descobriu três novas espécies de algas vermelhas. A descoberta homenageia três personalidades negras contemporâneas de grande relevância para as agendas e debates raciais: Djamila Ribeiro (Hypnea djamilae), Conceição Evaristo (Hypnea evaristoae) e Angela Davis (Hypnea davisiana).

Priscila Barreto não foge a regra da maioria das mulheres negras que desejam construir um nome e um lugar dentro da academia. Autora principal de um estudo que descobre novas espécies de algas vermelhas nomeadas em homenagem a personalidades pretas, a pesquisadora relembra a própria trajetória e reconhece as dificuldades superadas sem se deixar desanimar. O objetivo é inspirar outras mulheres para que também possam alargar os sonhos e as possibilidades.

Dona de determinação e resiliência, Priscila nos conta que foi aprovada na Universidade Federal da Bahia (UFBA) aos 19 anos, em sua segunda tentativa e quando já era mãe de uma criança de pouco mais de um ano. De família simples e de poucos recursos, a pesquisadora morava em Cajazeiras, bairro populoso da periferia de Salvador, longe do centro e da Universidade. Deslocava-se de transporte público e, eventualmente, chegava atrasada para os compromissos de aulas.

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No cotidiano da universidade, a pesquisadora diz conviver com o racismo estrutural. De olhares que não a reconhecem como docente até o cansaço de ser colocada à prova para avaliar a sua capacidade. “Eu continuo fazendo parte de uma minoria sub-representada em determinados lugares. Eu me cobro muito. Eu tento agarrar todas as oportunidades. Eu tento ocupar todos os espaços para alertar sobre a nossa condição e também para facilitar a vida de outras pessoas que, como eu, possam estar ali também”, declara Priscila.

Consciente de que marca um lugar de exceção e, por vezes, solitário, a pesquisadora dá ênfase ao compromisso de oportunizar e abrir caminhos para estudantes de distintas realidades sociais. “Eu tenho que ocupar cargo administrativo porque determinadas pautas me são muito caras. Se não for eu, talvez outra pessoa não tenha a mesma visão e o mesmo olhar. A gente quer fazer muito porque teve pouco. A gente quer que outras pessoas tenham mais possibilidades que a gente e isso acrescenta muitos desafios”, afirma a pós-doutora.

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Priscila sempre gostou de sala de aula, mas não se imaginava professora universitária.  Quando estudante, não vivenciou essa representatividade no corpo docente. “Os meus professores universitários, a maioria era de homens brancos de meia idade ou mulheres brancas. Eu tive apenas uma professora negra. Na época, uma professora substituta. Então, eu não me via ocupando aquele espaço. Não era uma realidade para mim”, afirma.

O dilema do estudo x trabalho

Contrariando as estatísticas de ausências de outras negritudes no seu dia a dia, quase no final da graduação, Priscila garante estágio e presença negra no laboratório de algas marinhas. “Eu fui mais por conta da bolsa, porque as aulas, naquele momento, não me interessavam muito. Eu já trabalhava, a minha graduação inteira eu conciliava com o trabalho. Dei aula em escola particular. Eu dava aula para alunos de Cajazeiras também”, relembra a pesquisadora baiana que chegou a reunir mais de 150 alunos em uma sala de aula do seu bairro.


Priscila Barreto durante pesquisa de campo. Atualmente, ela é professora da UFABC / Arquivo pessoal

Priscila já tinha feito outras seleções, sem sucesso, para estágio nos laboratórios. Foi só no último ano que foi selecionada e teve esse contato diferenciado com o estudo de algas marinhas. “Gostei da experiência, mas eu precisava trabalhar. Já tinha um filho, já tinha passado minha graduação inteira ganhando relativamente pouco. Eu queria trabalhar”, declara a bióloga que, no início, achava mestrado e doutorado realidades incompatíveis com a sua necessidade de subsistência.

“Como assim, estudar esse tempo todo? Eu não entendia o que era a pós-graduação. Muita gente não vê como um trabalho, e eu também não via naquela época”, afirma ao remontar os primeiros passos de sua formação como pesquisadora. E mesmo sem entender aonde as escolhas a levariam, Priscila passa a fazer pesquisas no litoral da Bahia durante o mestrado. Em seguida, emenda com o doutorado e, quando se torna doutora, vai ensinar em faculdades particulares.

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Tenta seleção como professora substituta, vai para a Universidade de São Paulo (USP) para pós-doutoramento, dá aulas em Juazeiro na Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e, quando o contrato estava perto de terminar, é chamada para a Universidade Federal do ABC, concurso em que Priscila tinha se classificado como segunda colocada. É desse lugar, agora, que ela fala como pesquisadora de reconhecimento e de publicações internacionais.

Descoberta de novas algas

O artigo que descreve as novas espécies de alga descobertas pelo grupo liderado por Priscila está em processo de publicação na revista Molecular Phylogenetics and Evolution, um periódico altamente conceituado na área.

A publicação é fruto de uma pesquisa iniciada em meados de 2017, do momento de coleta do material até a análise de todos os resultados e divulgação para a sociedade. “Eu estou muito feliz da gente ter ultrapassado os muros da universidade e ter chegado a outros lugares que não teriam acesso a essa informação se não fosse a repercussão desse trabalho”, declara Priscila.

A descoberta de novas espécies é algo que acontece frequentemente na área da taxonomia e da botânica, que trabalha com a identificação de organismos. Priscila explica que isso se tornou ainda mais comum com o uso de ferramentas moleculares que têm facilitado a descoberta de uma diversidade.

“Muitas espécies, principalmente nesse grupo Hypnea, que é o gênero de algas vermelhas”, declara a bióloga ao explicar a existência de uma plasticidade fenotípica, ou seja, algas que têm o mesmo genoma e, a depender do lugar onde se encontram, podem apresentar formatos e características distintas.


As novas espécies descritas por Priscila Barreto e equipe homenageiam Djamila Ribeiro, Conceição Evaristo e Angela Davis / Arquivo pessoal

O contrário também pode acontecer. “Indivíduos que são iguais morfologicamente, mas quando analisados do ponto de vista genético, percebe-se uma divergência muito grande”, declara a pesquisadora ao explicar que essas espécies, apesar das semelhanças morfológicas, tratam-se de espécies distintas.

“E tudo isso para dizer que antes só era possível analisar a morfologia externa, mas, agora, com a abordagem biossistemática é possível estudar a morfologia interna e fazer análises químicas e ecológicas para entender de forma mais completa esse grupo”, afirma Priscila.

Homenagens

As novas espécies de algas vermelhas do gênero Hypnea foram descobertas durante o estágio pós-doutoral de Priscila na USP. Ela tinha o objetivo inicial de analisar as relações entre diversas espécies de algas, através da análise do genoma. “O objetivo inicial não era identificar novas espécies, mas sim, entender a relação entre elas. Identificar quem surgiu antes, quais espécies surgiram depois e quais as características do genoma poderiam identificar cada uma delas”, relembra a professora.

Ao comparar materiais coletados no Brasil com outros materiais coletados por outros pesquisadores, depositados em herbários da universidade de Harvard, de Nova Iorque, da Índia, percebeu-se a existência de novas espécies ainda não identificadas pela ciência. “A primeira espécie, Hypnea davisiana, é uma espécie que foi coletada no Taiti, de um material identificado no herbário de Harvard. É um material muito antigo que foi coletado em 1922”, explica a pesquisadora.

A amostra identificada com o nome de uma espécie já existente, quando comparada com a espécie de nome registrado viu se tratar de uma espécie distinta, uma nova espécie. “Foi assim que a gente decidiu homenagear a Angela Davis com essa espécie. É um material que não tem aqui no Brasil e que a gente precisa voltar a coletar lá no Taiti para  localizar mais indivíduos dessa nova espécie descoberta”, declara Priscila.

Já a Hypnea djamilae, espécie também comparada com o material recebido e de nome já existente, no conteúdo original foi possível notar diferenças no genoma e identificar como nova espécie. “Ela é um material mais encontrado na região da Ásia. Na Coreia, no Japão. É um material já contemporâneo, foi coletado em 2017”, conta Priscila.

Por fim, a Hipynea evaristoae foi coletada na Índia, em 2018 e na comparação com o material original foi possível confirmar e identificar como nova espécie. A explicação para tantos nomes equivocados se deve à insuficiência de dados. “O nosso estudo tem esse  diferencial de análise do genoma dessas algas. A gente tem mais dados que conseguem nos dar a certeza de que se tratam de espécies distintas e nunca antes descritas na natureza. A gente descobriu uma biodiversidade que estava escondida nos herbários pelo mundo”, constata Priscila Barreto.

Sobre a homenagem, ela diz que a motivação foi muito pessoal. “Eu sou a única autora negra do artigo. Eu trabalho com divulgação científica e coordeno um perfil de divulgação científica no Instagram que se chama @algasparaelas. Esse é um projeto de extensão onde a gente tenta fortalecer o protagonismo feminino na ficologia, área que estuda as algas”, declara ao reconhecer que essas três mulheres negras permitiram o entendimento do seu papel social no mundo.


Algas vermelhas estão presentes em todos os continentes e têm uso na indústria cosmética e de alimentos / Priscila Barreto

“São mulheres super importantes. Filósofas, escritoras, educadoras que esclareceram para mim a condição da mulher negra na sociedade. Obviamente que existem várias outras mulheres negras que eu gostaria de ter homenageado, e a escolha dessas, em específico, é porque foram as primeiras com as quais eu tive contato e que tiveram papel importante para mim como mulher, como mãe, como educadora”, conclui a pesquisadora.

Utilidade das algas vermelhas

O genêro Hypnea  é amplamente distribuído e é possível de ser encontrado em todos os continentes. Desde espécies que vivem nas rochas até espécies de maior profundidade. É um grupo que tem recebido atenção dos pesquisadores por conta do seu valor econômico. Muitas espécies desse gênero são utilizadas nas indústrias de cosméticos e de comida. “Muitas espécies apresentam propriedades antifúngicas, antivirais, anti-inflamatórias e farmacológicas, portanto, é um gênero muito importante economicamente e, recentemente, passou a receber maior atenção através de estudos moleculares”, afirma a pesquisadora.
 
Ainda falando sobre a importância econômica, essas espécies apresentam carragenanos que é um polissacarídeo utilizado como espessante. “É possível de ser encontrado no creme dental e na produção de alguns bolos, doces, iogurtes e chocolates”, declara a pesquisadora ao reconhecer a relevância do polissacarídeo que segundo ela, hoje, está com o estoque natural esgotado.

 

Fonte: BdF Bahia

Edição: Gabriela Amorim