Ela passou a chegar às 10 horas, com meia hora de atraso todos os dias
Acho que um dos maiores problemas que tenho é que cumpro horário quando combino algum encontro. Pouca gente cumpre horários aqui. Muitas pessoas chegam sempre atrasadas aos encontros marcados. Pontualidade aqui é defeito.
Há quem ache que eu, por ter uma simpatia pelo anarquismo, não me importaria com isso. Importo sim! Acho que quando uma pessoa me deixa esperando meia hora, está me roubando meia hora de vida.
Mas tem gente que não consegue cumprir horários. Não é descaso, parece que é um desvio psicológico. Uma amiga, a Ofélia, é assim. Nunca chega a qualquer compromisso na hora certa. Atrasa sempre, no mínimo meia hora. Até no trabalho, chega sempre atrasada.
Ela arrumou emprego num escritório de contabilidade. E seu horário de trabalho era das 9 da manhã às 5 da tarde, com uma hora de almoço. Chegava todos os dias às 9 e meia.
Depois de dois meses, o chefe do escritório chamou a Ofélia e disse: “já que você chega todos os dias às 9 e meia, esse agora vai ser seu horário de entrada no trabalho. Mas vai sair às 5 e meia, para dar oito horas de trabalho por dia”. Ela topou. Funcionou?
Nada! Ela passou a chegar às 10 horas, com meia hora de atraso todos os dias.
O chefe determinou, então, que o horário dela passava a ser das 10 da manhã às 6 da tarde. E ela passou a chegar às 10 e meia. Nova mudança de horário: das 10 e meia às seis e meia. Aí ela começou a chegar às 11 horas... E o chefe desistiu. A Ofélia foi demitida.
Uns tempos depois ela arrumou um emprego de meio expediente, do meio-dia às 4 da tarde. “Ufa! Até que enfim”, pensei. Entrando ao meio-dia ela não vai se atrasar.
Há alguns meses, eu precisava mandar um recado ao marido da Ofélia e, quando resolvi telefonar para ela, já era 4 e meia da tarde. E ela saía do trabalho às 4 horas... Arrisquei assim mesmo. Liguei para o trabalho dela. Atendeu alguém com voz de jovem. “Posso falar com a Ofélia ou ela já saiu?”, perguntei.
Ele respondeu: “o horário dela é das 4 às 8”. Pensei: “caramba, entrava ao meio-dia, agora é às quatro horas!”. E falei de novo: “então, pode passar o telefone pra ela?”
E a resposta foi: “ela ainda não chegou”. “Meia hora atrasada”, ruminei. Dias depois soube que seu horário passou a ser das 4 e meia às 8 e meia. Um mês depois, foi demitida...
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Gomes