Os incidentes envolvendo facas e similares entre estudantes nos últimos 15 dias indicam que há um efeito bola de neve do ataque perpetrado por um jovem de 13 anos que matou uma professora na escola estadual Thomazia Montoro, na capital paulista, no dia 27 de março. O número de escolas atingidas, contudo, é ínfimo se comparado ao universo das instituições de ensino do país. O que mostra que estamos vivendo, na verdade, uma crise de medo.
Esse medo surge de forma natural diante do noticiário, mas também é induzido por criminosos que aproveitam o ambiente de pânico e bombam boatos de que massacres estão agendados tanto para o dia 20 de abril (aniversário da chacina em Columbine, nos Estados Unidos, e nascimento de Adolf Hitler), quanto para datas aleatórias já nesta semana, fazendo com que estudantes não queiram ir às aulas.
Nesse contexto, cada um de nós pode piorar a situação, compartilhando informações sem checagem, como ameaças de massacres, ou ajudar a conter o contágio.
Professores estão recebendo recomendações das direções das escolas para tranquilizar estudantes e reafirmar que elas são seguras e continuarão funcionando normalmente - incluindo universidades privadas como PUC-SP, ESPM, UNIP, FGV, entre outras. Ao mesmo tempo, veículos de imprensa responsáveis não estão dando notoriedade aos agressores, mas esclarecendo que boatos são falsos e que uma sociedade não pode parar por medo.
Medo que, não raro, não é só dos ataques, mas de muita coisa acumulada desde a pandemia.
Essa tarefa se assemelha a tirar água de um barco vazando porque, enquanto ações são tomadas para diminuir a pressão, redes sociais estão sendo usadas para mitificar agressores, induzir estudantes a replicar esses atos e difundir boatos sobre massacres. O ódio e a intolerância têm origem multifatorial, mas as plataformas poderiam ajudar freando esse tipo de conteúdo. Infelizmente, isso não vem acontecendo na velocidade necessária.
Em reunião com o ministro da Justiça, Flávio Dino, o Twitter, por exemplo, se negou a tirar publicações que fazem apologia à violência nas escolas.
Enquanto isso, o medo contagia estudantes
Nesta terça (11), um aluno também de 13 anos esfaqueou três colegas em uma escola em Santa Tereza de Goiás (GO). Os jovens não correm risco de vida e o rapaz foi apreendido. No dia 28 de março, um dia após o ataque na Thomazia Montoro, um estudante de 15 anos tentou atacar colegas com uma faca na escola municipal Manoel Cícero, na Gávea, Zona Sul do Rio. Ele foi contido por funcionários e ninguém se feriu, além do próprio agressor.
No caso mais grave, um homem invadiu a creche Cantinho do Bom Pastor, em Blumenau (SC), matando quatro crianças de 4 a 7 anos, e ferindo outras cinco, com uma machadinha, em 5 de abril. No mesmo dia, um aluno de 12 anos foi levado à delegacia após ser flagrado com um canivete e uma máscara de palhaço na escola Primo Pascoli Melaré, no Jardim Peri, Zona Norte de São Paulo. Ele havia ameaçado uma professora
Um aluno de 12 anos do Colégio Adventista do Amazonas, em Manaus (AM), atacou colegas com facas e um coquetel molotov nesta segunda (10). Ele machucou duas estudantes e uma professora de forma superficial. Na mesma segunda, um adolescente de 14 anos entrou mascarado em uma escola, em Perus, zona norte de São Paulo, com facas e uma arma falsa. Ele é estudante do local e foi detido pelos professores antes de alguém se ferir.
Também nesta segunda, quatro adolescentes de 12 a 14 anos com facas e canivetes foram apreendidos pela Polícia Militar na escola municipal Wilson Hedy Molinari em Poços de Caldas (MG). Os jovens deram a justificativa que queriam se defender de um "massacre" que estaria sendo divulgado pelas redes.
Ataques como esses aumentam a sensação de insegurança em escolas e adubam o terreno para ameaças que levam pânico à comunidade. Boatos com ameaças e promessas de massacres vêm sendo registrados em Minas Gerais, Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Goiás, entre outros estados, aproveitando que a população está assustada.
Mas os ataques bem-sucedidos não avisaram através de mensagens enviadas à lista da escola que eles aconteceriam, pois precisavam do efeito surpresa. Quem avisa quer criar pânico.
Nos quatro dias que se seguiram ao assassinato na Thomazia Montoro, a Polícia Civil de São Paulo registrou 279 ameaças ou suspeitas de possíveis planos de novos atentados a escolas em todo o estado. Para efeito de comparação: de 1º de janeiro até 26 de março, haviam sido registradas 82 ameaças. A imensa maioria era de mentiras toscas.
Tudo isso reforça a necessidade de discutir a origem desse medo de estudantes, das famílias, dos professores, da sociedade. Não apenas como chegamos até o momento em que a escola, a base da socialização de crianças e jovens, passou a ser encarada como um local de risco, mas como poderemos enfrentar esse medo, entendendo as causas e buscando saídas.
O que inclui discutir a responsabilização das redes sociais por ajudarem a promoção dessa violência sob a justificativa de um entendimento distorcido de liberdade de expressão. E de avançar, urgentemente, na regulação das plataformas.
A hora, contudo, é de difundir calma e de impor limites - afinal, não podemos nos tornar reféns de terrorismo. Vivemos uma crise de boatos, que demanda medidas emergenciais.
Ao mesmo tempo que as escolas devem estabelecer diálogos com as suas comunidades, as autoridades precisam tranquilizar a população, explicando que há uma onda de gente má intencionada provocando pânico.
E o governo federal tem que acionar a Justiça para que as plataformas sejam obrigadas a tirar material do ar. Isso não é liberdade de expressão, mas promoção da intolerância. Não é uma bala de prata, mas pode ajudar a tornar o ambiente menos tóxico e frear o ciclo vicioso em que estamos girando sem enxergar o horizonte.