Uma série de vereadores de diversas cidades da zona Sul e da Fronteira estão se mobilizando contra o suposto perigo de que está em curso um aumento da "violência no campo", que seria promovido por "invasões" de áreas rurais pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Estes vereadores organizaram a "Frente Parlamentar de Segurança no Campo", que está realizando reuniões e visitas a diversos órgãos públicos, prefeituras e sindicatos patronais rurais.
Apesar desse alarde não se confirmar nos fatos, a movimentação, aparentemente, já está prejudicando a vida de algumas famílias do MST que conquistaram sua terra.
Conforme registrou o Extraclasse, agricultores familiares denunciaram que um maquinário utilizado para a construção e limpeza de açudes no assentamento de Companheiro João Antônio foi retirado do local por ordem da prefeitura, com uma escolta da Brigada Militar. A máquina, de propriedade do Executivo, foi retirada do local antes do serviço ser completado, deixando as famílias a mercê da falta de água na região.
Os agricultores afirmam que as ações dessa Frente Parlamentar está espalhando manifestações de preconceito e discriminação contra os assentados, e que a ordem de retirada das máquinas veio após uma reunião desses vereadores com a prefeitura.
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Mesmo não sendo possível afirmar que a retirada da máquina foi realizada por solicitação dos vereadores, os integrantes da Frente Parlamentar estiveram na cidade, no Sindicato Rural de Candiota, dois dias antes. Segundo afirmam, o objetivo da reunião era discutir pautas a serem levadas para o governo estadual no dia 29 de março.
Questionada pela nossa reportagem, a prefeitura de Candiota não respondeu qual seria a justificativa para a ordem de retirar do local a máquina, sem que esse o serviço tivesse terminado.
Escavadeira utilizada para abertura de açudes no assentamento João Antônio, em Candiota, foi recolhida pela prefeitura com escolta da Brigada Militar / Reprodução
Porém, a vereadora Luana Vais (PT) afirmou que o tema foi debatido em plenário e que a prefeitura justificou ao Legislativo que a retirada da máquina se deu para levá-la a outro lugar, "para fazer serviços mais prioritários". A vereadora relatou também que os assentados tentaram o diálogo com a prefeitura, mas que não foram bem recebidos.
"Os agricultores vieram conversar com o prefeito, mas o mesmo se alterou. Acabou a reunião e os agricultores ficaram sem resposta", relatou a vereadora. Até o momento, a máquina não retornou ao assentamento para terminar os açudes.
Clima de alerta?
A tese de que haveria um momento propício para o aumento das ocupações não se confirma até agora. No Rio Grande do Sul, não houve nenhuma ocupação de terra em 2023. Além disso, desde 2019, foram apenas duas. Entretanto, houve um aumento das ocorrências no país como um todo. Conforme registrou o GZH, foram 17 ocupações de propriedades em 2023, quantidade equivalente a quase um terço do total de registros durante os quatro últimos anos. No entanto, esse aumento é ínfimo, levando em conta a quantidade de imóveis rurais no Brasil: em dados de 2020, são 8 milhões.
Por outro lado, a pauta da segurança no campo vem sendo levantada por organizações camponesas, mas sobre outro viés: a violência no campo deixou um rastro de assassinatos, principalmente de lideranças de movimentos da luta pela terra.
Segundo a Pastoral da Terra, em 2021, os assassinatos no campo subiram 75%. No ano seguinte, a Comissão Pastoral da Terra registrou novo aumento de assassinatos. As vítimas são indígenas, trabalhadores sem terra, posseiros, quilombolas, assentados, pequenos proprietários, quebradeiras de coco, lideranças e apoiadores da luta pela terra.
Os dados contrastam com a fala de Paulo Ricardo Dias, coordenador da Comissão de Assuntos Fundiários e Segurança Rural da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), para quem as manifestações de luta pela terra e as ocupações costumam vir acompanhadas de "muita violência".
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Invasão ou ocupação?
Para a jurista Carol Proner, ocupação não é o mesmo que invasão. "A ocupação de terras tem sido historicamente a forma pela qual os movimentos camponeses chamam a atenção para a necessidade de que a propriedade venha acompanhada de uma função social. Confundir os dois conceitos propositalmente é uma forma de negar a luta pela terra e os legítimos sujeitos de direito."
Ou seja, a ocupação pode ser uma forma legítima de fazer pressão e chamar atenção para o descaso com a Reforma Agrária. O MST só ocupa terras improdutivas, que não cumprem sua função social ou que estejam sendo utilizadas para fins ilegítimos. Por exemplo, as ocupações que aconteceram no sul da Bahia, nas terras da maior empresa de celulose do mundo, trouxeram ao conhecimento da sociedade um acordo descumprido desde 2011 e que afeta direitos de 750 famílias que aguardam há 12 anos pela cessão das terras.
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