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Nova visão: cooperativismo fortalece luta de catadoras de recicláveis através do conhecimento

Trabalhadoras prestam serviço essencial, mas muitas vezes são invisibilizadas e até sofrem preconceitos

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Mulheres representam cerca de 70% dos catadores de materiais recicláveis do Brasil - Iolanda Depizzol
Se não fosse o nosso trabalho, onde iriam jogar o material? Falam que é lixo, mas pra gente não é

As mulheres são a maioria entre os catadores de materiais recicláveis, representando 70% dos 800 mil trabalhadores em atividade no Brasil, de acordo com dados do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Apesar de serem maioria na categoria, o preconceito contra as mulheres e a invisibilidade ainda são uma realidade num trabalho essencial para a saúde da população e para a preservação do meio ambiente. 

"Para mim tudo era lixo, hoje não, quando eu comecei a trabalhar eu comecei a ver o lixo de outra maneira, a parte da reciclagem a coleta seletiva", conta Nilzete Romão dos Santos, catadora e presidenta da Cooperativa de Catadores Autônomos de Papel, Papelão, Aparas e Materiais Reaproveitáveis (Coopamare). 

Vinda da Bahia com 15 anos, Nilzete, mãe de três filhos, trabalha como catadora há 18 anos e encontrou na coleta de materiais recicláveis uma forma de sustento e de autonomia em sua vida. "Eu estava desempregada, não tinha como sobreviver, tinha três filhos pequenos em casa, foi quando aconteceu essa oportunidade de trabalhar com a reciclagem, comecei a trabalhar e com o sustento daqui eu levo pros meus filhos e hoje sustento meus netos."

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De acordo com ela, no local, mais de 20 trabalhadores cooperados coletam em média 96 toneladas de materiais recicláveis por mês, que são destinados para fábricas e transformados em novos objetos. Ela ressalta a importância de ter seu trabalho valorizado. "Se não fosse o nosso trabalho, onde iriam jogar o material, falam que é lixo, mas pra gente não é, pra gente é um meio de renda, que a gente leva pra casa, se soubessem da importância que tem eles não implicavam tanto com a gente", conta.

A reciclagem também foi uma forma de sobrevivência encontrada por Maria Monica, filha de mãe solo. Ela nasceu no Ceará e foi morar nas ruas com nove anos. Em meio a um cenário repleto de carências começou a trabalhar catando materiais nas ruas do município de Acopiará (CE), até que com 14 anos veio para São Paulo em busca de oportunidades de trabalho. 

Diante das dificuldades, os filhos também começaram a coletar materiais nas ruas de São Paulo, até que ela conheceu o movimento nacional dos catadores e passou a trabalhar como uma catadora cooperada em Diadema, cidade localizada na região metropolitana de São Paulo.

Segundo ela, tudo mudou quando decidiu se unir a movimentos sociais e a uma cooperativa. "A partir do momento que eu decidi parar de catar na rua e me organizar dentro de uma associação de catadores e fazer parte do movimento nacional dos catadores a minha vida mudou totalmente, eu entendi que os meus filhos não tinham que estar na rua catando comigo que os meus filhos tinham que estudar, fazer cursos, essas coisas, então mudou totalmente a minha vida", disse a catadora de materiais recicláveis, integrante da Cooperfênix.

Ela conta que as cooperativas trabalham com o público que a sociedade excluiu. "O que vem para as cooperativas muitas vezes são pessoas que a sociedade já excluiu e que a gente faz todo um trabalho, a gente resgata a pessoa, leva uma cidadania, devolve a dignidade, porque ela tem a dignidade no supermercado comprar o que ela está com vontade de comer ou dar pros seus filhos", diz. "Eu amo o que eu faço, amo de paixão o meu trabalho, enquanto liderança do movimento nacional dos catadores. É o que me move, o que me move de verdade é isso."

Valquíria Cândido da Silva, catadora de materiais recicláveis da Cooperativa dos Catadores Seletivos do Parque Cocaia (Cooperpac) em Interlagos e integrante da coordenação do MNCR, ressalta que o trabalho de catadora iniciado há mais de dez anos envolve o empoderamento de milhares de mulheres. "Quem entende o caminho, o processo, não vê só a catação, não vê só o trabalho em si, a remuneração, ele vê coisas muito maiores que envolvem a reciclagem, o cuidado com a saúde das pessoas e com o meio ambiente. As mulheres que entendem esse trabalho conseguem se empoderar, buscar mais conhecimento e o conhecimento é um caminho sem volta para outras expectativas, para fazer muita coisa boa."

Por fim, ela relata que o trabalho da reciclagem "liberta as pessoas" e a perspectiva é de esperança e de mais diálogo com o Estado. "Nós não tivemos diálogo nos governos anteriores, a gente espera conseguir estabelecer uma política de fato para os catadores, para que a gente consiga ter uma vida melhor e dar dignidade pros nossos filhos."

Confira o vídeo:

Edição: Thalita Pires e Daniel Lamir