O Ministério da Fazenda anunciou nesta quinta-feira (20) um pacote com 13 medidas para expansão do crédito no país e para viabilização de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Dentro do pacote, está o aumento do valor da renda de um cidadão devedor que não pode ser penhorado e a possibilidade de esse cidadão autorizar que bancos consultem seu histórico de pagamento de impostos na hora de conceder um empréstimo.
“São medidas que ajudam a melhorar as informações sobre os devedores, reforçam garantias de bancos e devem contribuir, na margem, para reduzir as taxas de juros”, explicou o economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), André Roncaglia. “Não acho que vai fazer milagre, mas tende a diminuir os juros.”
Não faz parte do pacote o chamado Programa Desenrola, uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para ajudar inadimplentes a saldar suas contas. Também não entrou na lista de medidas ações para redução dos juros do crédito rotativo do cartão de crédito, algo que foi aventado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
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Tratando especificamente sobre empréstimos concedidos à pessoas físicas, clientes comuns de bancos, a mudança do chamado mínimo existencial está entre as mais relevantes. Hoje, bancos podem penhorar parte da renda de devedores. Um decreto assinado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) determinou, contudo, que essa penhora garanta pelo menos R$ 303 por mês livres ao devedor.
O Ministério da Fazenda informou que um novo decreto deve ser editado nos próximos dias elevando esse valor para R$ 600. O valor é compatível com o do Bolsa Família, programa social que existe justamente para garantir condições mínimas de vida aos mais pobres.
“A mudança do mínimo existencial é o correto porque o número determinado por Bolsonaro, R$ 303, é muito baixo”, apoiou Miguel de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).
Oliveira também aprovou o fato de o governo resolver autorizar que clientes compartilhem informações que a Receita Federal tem sobre ele com bancos e disse ser favorável que cidadãos ofereçam como garantia para empréstimos saldos contidos em planos de previdência privada em seu nome –outra medida anunciada hoje.
“Quanto mais opções você der de transparência, de garantias aos bancos, maior a probabilidade condições de crédito melhores", disse.
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Roncaglia destacou que as medidas anunciadas nesta quinta são complementares. Não serão decisivas para expansão do crédito no Brasil se a economia do país como um todo não crescer e se a taxa básica de juros, a Selic, não cair. Hoje, a Selic está em 13,75% ao ano, uma das mais altas taxas de juros do mundo.
“São componentes adicionais para tornar o regime de crédito mais atraente e expansível. Mas é preciso que o governo destrave os investimentos e obviamente trabalhe para reduzir a nossa estratosférica taxa de juros”, ponderou. “Sem esses dois elementos, as medidas são boas mas vão gerar apenas efeitos muito limitados.”
Confira abaixo quais as 13 medidas anunciadas pelo governo:
1. Aval da União às PPPs (Parceiras Público-Privadas) de estados e municípios
2. Debêntures (títulos de dívidas) incentivadas em PPPs sociais
3. Novo Marco das Garantias para empréstimos
4. Garantia de empréstimos com recursos previdenciários
5. Simplificação e desburocratização do crédito
6. Autorização para acesso por bancos de dados fiscais
7. Autorização de bancos e moeda digital
8. Novo regime para resolução de crises bancárias
9. Novo mínimo existencial para superendividados
10. Medidas para proteção a investidores no mercado de capitais
11. Melhorias na infraestrutura do mercado financeiro
12. Ampliação das cooperativas de seguros
13. Marco legal do seguro privado
Expansão, não solução
A economista e coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, ressaltou que as medidas do governo para proteção dos endividados no país hoje foram tímidas.
Para ela, o pacote anunciado na quinta praticamente não toca no problema, que atinge quase 80% das famílias do país hoje. Sem tratar do assunto, as medidas não criam condições para que pessoas recorrerem a empréstimos de forma saudável para fazer compras e investimentos, reativando a economia.
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“As medidas são muito mais focadas na expansão do crédito do que preocupadas sobre o superendividamento”, reclamou. “Eu penso que a gente precisa de uma ponte. Não dá para expandir o crédito com uma realidade atual que a população está vivendo.”
Amorim, aliás, não vê como garantida a queda de juros para consumidores prometida pelo governo. “O governo está tirando o risco. Não está trazendo um ambiente de competitividade onde a taxa de juros vai reduzir porque você acredita numa melhor capacidade de avaliação de risco, de recuperação de crédito, de crédito de melhor qualidade”, disse ela. “Isso não quer dizer que haverá redução de taxas de juros.”
Edição: Rodrigo Durão Coelho