Na manhã desta sexta-feira (21), o presidente Alberto Fernández anunciou que não buscará a reeleição. "O contexto me obriga a dedicar todos os meus esforços aos difíceis momentos que a Argentina atravessa", disse o mandatário através de um vídeo em suas redes sociais intitulado "Minha decisão".
"No próximo 10 de dezembro, é o dia exato em que cumprimos 40 anos de democracia. Nesse dia, passarei a faixa presidencial a quem tenha sido eleito legitimamente nas urnas pelo voto popular", anunciou.
Mi decisión 🇦🇷 pic.twitter.com/EEQBJaxDUz
— Alberto Fernández (@alferdez) April 21, 2023
O presidente ressaltou as crises que atravessaram a sua gestão: a herança do governo neoliberal de Mauricio Macri e a dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a pandemia, os impactos da guerra na Ucrânia e, agora, a seca que afeta os cultivos do país. "Está claro que não alcançamos tudo o que propomos", disse.
Foi a primeira definição no âmbito peronista que marca um rumo para a eleição primária de agosto. O candidato à presidência pela coalizão governista Frente de Todos (FdT) ainda é incerto, com diferenças internas na coalizão entre as correntes ligadas a Fernández e segmentos mais alinhados com Cristina Kirchner. Com a desistência do presidente em buscar a reeleição, abre-se um espectro de possibilidades para o espaço peronista, uma vez que Fernández apresenta alta rejeição nas pesquisas de opinião.
Militância peronista impulsiona candidatura de Cristina Kirchner
Desde março, organizações peronistas realizam uma série de atos chamados pela mídia argentina de "Operação Clamor". Com o lema "Democracia ou máfia judiciária", as manifestações defendem a candidatura da vice-presidenta Cristina Kirchner e denunciam a politização do Poder Judiciário no país.
A líder peronista, nome de maior peso político e eleitoral dentro do movimento, foi condenada em dezembro a seis anos de prisão e à inabilitação política, em um processo judicial que investigou supostos desvios de verbas em obras públicas na província de Santa Cruz. Após a sentença, Kirchner anunciou que não se candidataria na eleição de 2023.
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"A Cristina tem possibilidade de se candidatar, porque ainda restam instâncias superiores no processo judicial para efetivamente firmar a sentença", pontua a cientista política Romina Guilarducci. "No entanto, o que está em jogo é o futuro democrático do nosso país. Temos uma eleição em um grave contexto econômico com a principal candidata e duas vezes presidenta sem a possibilidade de ter uma candidatura justa", afirma.
Caso não seja a candidata, as organizações defendem que seja ela quem defina o nome do campo. As mobilizações buscam criar o clima para que ela o faça. Julieta Campo, integrante do La Cámpora, organização kirchnerista e uma das organizadoras da série de atos pela candidatura da ex-presidenta, organizou o plenário na província de Chaco, que reuniu organizações das províncias do Nordeste da Argentina em uma iniciativa federal acompanhando o lema "democracia ou máfia judiciária".
"Nesse plenário, discutimos sobre a defesa da democracia, entendendo que a direita na Argentina investe contra a Cristina porque ela cristaliza interesses da população", explica Campo, pontuando que os atos envolvem também a participação espontânea, fora das organizações políticas. "É sobre defender não só à Cristina, mas também aos interesses do povo", destaca.
Pressão sobre a economia
O contexto social e econômico não compõe um cenário favorável para a Frente de Todos. Dados recentemente divulgados mostram que março registrou um aumento de preços de 7,7% em relação ao mês anterior, com um acúmulo de 21,7% de inflação no primeiro trimestre de 2023.
Além disso, nesta semana o país atravessou uma nova corrida cambial, com o aumento rápido do valor do dólar paralelo que, apesar de não estar ligado às transações oficiais dolarizadas, leva à especulação e impulsiona o aumento de preços. O fenômeno teve impulso com a saída repentina de Antonio Aracre, então chefe de assessores do presidente Alberto Fernández. Ele decidiu renunciar após rumores de que ele substituiria o Ministro da Economia ,Sergio Massa, para que este se lançasse à pré-candidatura presidencial.
Os movimentos na carteira da economia costumam ter efeito reativo nos mercados, gerando um contexto de instabilidade econômica para a sociedade e, em mais um pico de desvalorização do peso, um sinal de debilidade para o governo.
No entanto, Massa já afirmou em outras oportunidades que não deverá se lançar à candidatura dadas as urgências da crise econômica no país. O nome do ministro da Economia circula com uma das opções de preferência de Cristina para passar o bastão. Nome de peso e de larga trajetória na política, Massa seria uma aposta não kirchnerista, inclusive mais à direita que Alberto Fernández, dentro do amplo espectro do peronismo.
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Outros nomes que ainda circulam são os kirchneristas Eduardo "Wado" de Pedro, atual Ministro do Interior, e o governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof. Ambos significariam uma mudança geracional na força peronista. Até então, a única figura que se dispôs publicamente à pré-candidatura foi Daniel Scioli, embaixador argentino no Brasil que foi candidato à presidência em 2015, apoiado por Cristina Kirchner – eleição que resultou vitoriosa para Mauricio Macri (Proposta Republicana).
"A situação da FdT deve ser entendida levando em consideração dois elementos: o que significou o acordo com o FMI em termos de ruptura de diagnósticos políticos dentro da coalizão – um setor dentro da coalizão votou contra esse acordo –; e a perseguição judiciária contra Cristina", pontua Manuel Saralegui, sociólogo e integrante do La Cámpora.
Ele afirma que a vice deve orientar sua força política nas próximas semanas. Também há possibilidades de que Cristina anuncie alguma definição para a FdT também no evento do 25 de maio, Dia da Revolução de Maio, onde deverá ser a única oradora. Em 2019, a vice também anunciou em maio a chapa que lançaria com Alberto Fernández como candidato principal.
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Por enquanto, a ausência de um candidato da FdT tem significado também uma ausência de debates e na apresentação de projetos políticos, algo que já está sendo instalado na agenda midiática por pré-candidatos da oposição. A direita macrista, nucleada na coalizão Juntos por el Cambio, levanta propostas que envolvem a desvalorização da moeda nacional em prol de empresários e agroexportadores, enquanto a extrema direita liderada por Javier Milei defende a dolarização da economia argentina.
Segundo o calendário eleitoral, as chapas para a eleição primária presidencial devem ser apresentadas até o dia 24 de junho.
Edição: Thales Schmidt e Thalita Pires