Baixo nível

Comissão de Segurança Pública na Câmara vira 'teatro' bolsonarista e ignora debate legislativo

Dominada por deputados da extrema direita, ex-policiais e militares, comissão preocupa especialistas em segurança

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Flávio Dino durante audiência na Comissão de Segurança Pública - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida, já entregava sinais de cansaço após seis horas de inquirição na sessão da última quinta-feira (14) da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, que tratava sobre os direitos humanos dos presos nos atentatos terroristas de 8 de janeiro. Foi então que o deputado federal Roberto Monteiro (PL-RJ) se inscreveu para perguntar ao representante do governo: "O Brasil não precisa de lado, precisa de soluções. O senhor acredita na volta de Jesus?"

A pergunta, completamente desconectada do propósito da reunião, foi ignorada pelo ministro, mas serviu para mostrar o nível da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, que se tornou uma ilha do bolsonarismo na legislatura que se iniciou neste ano.

Dos 36 membros titulares da comissão, 25 são bolsonaristas ou já flertaram com o governo e as ideias do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Do total, apenas três são mulheres: Delegada Adriana Accorsi (PT-GO), Delegada Ione (Avante-MG) e Delegada Katarina (PSD-PE).

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Ao todo, 23 parlamentares pertenciam a alguma das forças de segurança pública: nove ligados à Polícia Civil, outros nove à Polícia Militar, dois ex-policiais federais e um ex-policial federal rodoviário, além de dois ex-integrantes das Forças Armadas.

"Essa comissão vai tentar trazer as grandes pautas do bolsonarismo, será uma forma de manter o bolsonarismo vivo no parlamento", afirma Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Silvia Ramos, cientista social e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), lamentou e criticou a formação majoritariamente policial da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.

"É uma comissão formada majoritariamente por policiais e nós, dos centros de pesquisa das universidades, que estudamos segurança pública, violência e sistema penitenciária, esse campo chamado sociologia da violência, sempre afirmamos que Segurança Pública não é um tema de policiais. É um erro imaginar que Segurança Pública é um tema de polícia e imaginar que os especialistas desse tema são policiais", aponta Ramos.

Além de Silvio Almeida, os deputados escutaram, no dia 14 de abril, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Durante a oitiva, o representante do governo foi interrompido inúmeras vezes e o tom belicoso dos parlamentares fez com que o presidente da comissão, Ubiratan Sanderson (PL-RS), encerrasse precocemente a sessão.

Silvia Ramos acompanhou as duas sessões, que escutaram Dino e Almeida, e criticou o nível das intervenções. "Esses parlamentares brigaram entre eles mesmo. São pessoas agressivas, intolerantes, deselegantes, sem nenhuma inteligência e sem nenhum conhecimento do campo da Segurança Pública."

Com perguntas longas, discursos que passavam ao largo das pretensões da comissão e indignação encenada para suas redes sociais, os parlamentares perderam a oportunidade de produzir conteúdo programático, analisa Alcadipani.

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"O problema dessa comissão é que é utilizada muito mais para politicagem do que fazer algo consistente. Precisávamos que essa comissão pensasse políticas públicas, reforma do estatuto das polícias e coisas mais interessantes", afirma o professor da FGV.

Ao levar Silvio Almeida e Flávio Dino, os deputados bolsonaristas podem ter potencializado o engajamento de suas redes sociais. Porém, para Silvia Ramos, ficou escancarado o abismo entre os representantes do governo e os parlamentares da comissão.

"Essa comissão tem sido palco para mostrar as qualidades dos ministros do governo Lula. Mas essa comissão se tornou um teatro de péssimas atuações de uma gente sem nível para discutir Segurança Pública. O CESeC tem 20 anos, o Núcleo de Estudo sobre Violência (NEV) tem 30 anos, o FBSP tem mais de 15 anos de existência. Esses parlamentares que se dizem especialistas em Segurança Pública deveriam ter vergonha do papel que desempenham ali. Eu acho que essa comissão se tornou uma espécie de retrato do bolsonarismo no parlamento."

Alcadipani alertou para as armadilhas deixadas pelos defensores do ex-presidente Jair Bolsonaro. "São teatros políticos, onde cada um fará sua fala para gerar impacto nas redes sociais. O ministro Silvio Almeida se posicionou muito bem, mas o Flávio Dino me pareceu que entrou mais no jogo dos bolsonaristas, de provocação."

Edição: Nicolau Soares