Visita de Estado

No Parlamento de Portugal, Lula ataca autoritarismo e defende negociação para guerra na Ucrânia

Presidente brasileiro foi vaiado pela extrema direita durante seu discurso pelo aniversário da Revolução dos Cravos

Lisboa (Portugal) |

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Recepção de Lula no Parlamento português - Ricardo Stuckert

Nesta terça-feira (25), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu a sessão de boas-vindas no Parlamento dizendo se sentir em casa quando está em Portugal. Ele foi recebido com cumprimentos de deputados que o saudavam em torno de uma bancada cercada por cravos vermelhos, atacado pela extrema direita e defendeu a posição brasileira sobre a guerra na Ucrânia.

Essa foi a primeira vez que um chefe de Estado estrangeiro discursou na plenária do Congresso na data em que Portugal celebra a Revolução dos Cravos.

Acompanhado pelo presidente português, Marcelo Rebelo, e o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, Lula afirmou que o 25 de Abril foi um "salto para o futuro" do país e que as forças democráticas conseguiram restabelecer o desenvolvimento econômico aliado à justiça social.

"O movimento iniciado pelos Capitães de Abril há exatos 49 anos reconquistou as liberdades civis, a participação política dos cidadãos, a democratização política, os direitos trabalhistas e a livre organização sindical, criando as bases para o desenvolvimento econômico com justiça social. É isso que hoje estamos recordando e celebrando", disse o petista.

Ao promover uma salva de palmas da maioria dos deputados com as suas palavras iniciais, parlamentares do Chega, partido que representa a extrema-direita em Portugal, batiam com força nas mesas e erguiam cartazes com as bandeiras da Ucrânia e frases do tipo "chega de corrupção".

Incomodado com a tentativa de constrangimento, o presidente da Assembleia da República pediu para que os deputados, incluindo o líder do partido, André Ventura, respeitassem o chefe de Estado brasileiro.

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"Os senhores deputados que querem permanecer na sessão plenária devem comportar-se com urbanidade, cortesia e a educação que é exigida a qualquer representante do povo português, chega de degradarem as instituições, chega de porem vergonha no nome de Portugal", disse Augusto Santos Silva.

No discurso, que teve aproximadamente 18 minutos de duração, Lula agradeceu o convite de Marcelo Rebelo para que a sua visita de Estado se realizasse na semana mais celebrada pelo povo português. Ao se referir à "Grândola, vila morena", canção de José Afonso e símbolo da revolução, o presidente considerou ainda que a luta dos portugueses em 1974 inspirou muitos brasileiros no combate à ditadura militar.

"O êxito de nossos irmãos portugueses nos mostrava que, em breve, seria a vez de nós brasileiros iniciarmos nossa jornada rumo à reconquista da liberdade e da democracia. Enquanto em Portugal desmontava-se o aparelho repressivo a partir de 1974, nós no Brasil ainda enfrentávamos as prisões políticas, os sequestros e os assassinatos de operários, jornalistas e militantes perpetrados pela ditadura."

Lula lembrou ainda do amigo e vencedor do maior prêmio da língua portuguesa ao recitar um trecho da canção "Tanto Mar". "Chico Buarque, cuja inigualável sensibilidade poética pudemos finalmente homenagear ontem na cerimônia de entrega do Prêmio Camões, retratou isso."

Guerra

A condenação à invasão russa ao território ucraniano veio logo depois, quando Lula afirmou compreender a apreensão causada pela guerra na Europa. "Acreditamos em uma ordem internacional fundada no respeito ao Direito Internacional e na preservação das soberanias nacionais", acrescentou destacando que a guerra não pode "seguir indefinidamente".

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"Quem acredita em soluções militares para os problemas atuais luta contra os ventos da História. Nenhuma solução de qualquer conflito, nacional ou internacional, será duradoura se não for baseada no diálogo e na negociação política", defendeu.

Lula voltou a mencionar sua insatisfação com o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), indicando que é preciso que todas as regiões do mundo tenham representação para que esse órgão da ONU seja mais representativo em seus processos deliberativos e mais eficaz ao implementar as suas decisões. "Isso ocorre porque sua composição, determinada ao fim da Segunda Guerra Mundial, 78 anos atrás, não representa a correlação de forças do mundo contemporâneo."

No que diz respeito à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o presidente brasileiro reconheceu o importante trabalho desenvolvido pela instituição e disse apoiar a entrada da organização lusófona como membro observador da Conferência Ibero-Americana. "Seguimos, além disso, empenhados em avançar nas tratativas sobre o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, criando vínculos ainda mais robustos entre nossas duas regiões."

Antes de encerrar o seu discurso e assinar o livro de honra da Assembleia da República, Luiz Inácio Lula da Silva disse que a jornada do Brasil não será fácil, mas que, assim como Portugal, o seu país é obstinado pela paz, justiça, inclusão social e liberdade.

"Nessa nova jornada, tenho a satisfação de poder contar com o apoio dos irmãos portugueses, com quem continuaremos a caminhar, orgulhosamente juntos, em prol da construção de um mundo mais justo, mais livre e mais próspero", finalizou.

Edição: Thales Schmidt