A gastronomia brasileira só tem a ganhar quando ela olha para dentro de si mesma
Na Terra Yanomami, a maior reserva indígena do Brasil, um subgrupo do povo Yanomami chamado Sanöma coleta cogumelos que crescem na floresta amazônica. Eles sabem definir se um cogumelo é comestível ou não. Já foram encontradas em roçados e na mata 15 espécies. No território vivem mais de 28 mil indígenas entre os estados do Amazonas e Roraima distribuídos em 371 comunidades que resistem em meio a destruição ambiental da floresta amazônica e o avanço do garimpo ilegal.
O chef de cozinha Beto Bellini conhecido pelo engajamento em projetos que valorizam ingredientes e sabores de Roraima teve o primeiro contato com os cogumelos da Terra Indígena Yanomami em setembro de 2016 à convite Instituto Socioambiental (ISA). Na ocasião foi apresentado ao projeto de coleta e comercialização dos cogumelos desidratados e em pó.
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Depois disso, Beto recebeu do antropólogo Moreno Martins que coordena o projeto no ISA sobre amostras frescas de cogumelos embrulhados em folha de bananeira. Começava a germinar ali a ideia do livro 'Umami: receitas para o dia a dia com os cogumelos yanomami'. Ele passou a testar receitas com os cogumelos que iam desde a entrada até a sobremesa.
“O ISA me pediu para desenvolver receitas que incorporasse esses novos ingredientes no dia a dia, receitas que pudessem ser desenvolvidas por qualquer pessoa em casa e de tornar de certa forma popularizasse os cogumelos. Até então era um ingrediente novo, desconhecido, mas que tinha um apelo geográfico, cultural, etnológico e brasileiro”, diz o organizador do livro.
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De acordo com a publicação, os cogumelos possuem boas quantidades de proteínas, sendo uma ótima opção para incluir em dietas vegetarianas. Além disso, têm boas quantidades de vitaminas do complexo B, antioxidantes e fibras, ajudando a regular os níveis de glicose no sangue, a controlar os níveis de colesterol e fortalecer o sistema imunológico.
Com diferentes sabores, cores, texturas e aromas, de nhoque de macaxeira ao molho cremoso de cogumelo, panacotta de cogumelos a kibe Yanomami, o livro reúne receitas de chefes de 10 estados como Amazonas, Ceará, Espirito Santo e tem o prefácio do chef de cozinha Alex Atala.
“Utilizando a nossa rede de contatos com outros colegas ao redor do Brasil, surgiu a ideia de não só fazer receitas, mas desenvolve um livro que pode trazer essa valorização indígena e do conhecimento tradicional Yanomami, colocando ele [cogumelo] como ingrediente fácil de se trabalhar e em receitas que fossem fáceis de ser reproduzidas".
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No livro Bellini comenta que é fascinante e assustador ao mesmo tempo ver que o brasileiro conhece o caviar, o salmão, o bacalhau e até a trufa, mas não conhece ingredientes que caem das árvores, ou brotam no chão do seu próprio quintal. Segundo Bellini, a gastronomia poderia se beneficiar se valorizasse os produtos e os conhecimentos da floresta.
“A gastronomia brasileira só tem a ganhar quando ela olha para dentro de si mesma, mais do que isso, quando ela consegue enxergar que dentro dos povos originários existe conhecimento que nós ainda não conseguimos captar de forma sustentável e responsável”.
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Os cogumelos já tinham se tornado livro, com a publicação Ana amopö: Cogumelos Yanomami, fruto da pesquisa inicial sobre os cogumelos envolveu indígenas e não-indígenas, e venceu o Prêmio Jabuti na categoria Gastronomia em 2017. O cogumelo é base das dietas Yanomami e consumido como proteína para substituir a carne quando não há caça disponível.
Os dados da iniciativa Cogumelo Yanomami, da Hutukara Associação Yanomami, mostram que desde 2017, quando ela teve início, quase 600 pessoas de 21 comunidades participam de forma direta da atividade de coleta e receberam como pagamento pelas vendas dos cogumelos aproximadamente R$ 370 mil para fomentar a economia local. Esse recurso é importante para produzir alimentos que garantem a segurança alimentar das comunidades na Terra Indígena Yanomami. De 2017 a 2021, os Yanomami produziram 1,5 tonelada de cogumelos desidratados.
Os cogumelos Yanomami estão à venda no box Amazônia, no Mercado de Pinheiros, em São Paulo (SP). O ebook pode ser baixado gratuitamente.
Edição: Daniel Lamir