O governo encerrou nesta semana mais uma etapa para colocar em prática o retorno da Mais Médicos, com o fim do prazo para adesão dos municípios. Mas a consolidação do programa ainda vai precisar superar alguns desafios.
Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato indicam que o principal obstáculo será reverter o desmonte promovido na atenção primária à saúde. Desde a aprovação do Teto de Gastos, a área perdeu financiamento, estrutura e profissionais.
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A fragilização da porta de entrada do SUS teve continuidade nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL) e o enfraquecimento do Mais Médicos fez parte dessa equação. O ex-presidente chegou a anunciar um substituto para o programa em 2019, que só saiu já no final da gestão bolsonarista.
Agora, o governo federal precisará correr atrás do prejuízo. "Temos um desafio, que é retomar o programa. Ele ficou muito abandonado nesses últimos anos. Só não terminou por causa da pandemia. Porque o governo federal, na sua inação, viu que o Mais Médicos era melhor para o provimento rápido de profissionais", afirma o médico e especialista em saúde coletiva, Deivisson Viana, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
O edital lançado recentemente pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para retomada do programa abriu mais de 6,2 mil vagas, que serão distribuídas em cerca de 2 mil municípios de todo o Brasil. Isso inclui 1 mil novos postos na Amazônia Legal.
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Mas abrir postos de trabalho em locais remotos e enviar profissionais para as comunidades não é suficiente para que o Mais Médicos se consolide estruturalmente. Luiz Augusto Facchini, professor do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal de Pelotas e coordenador da Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde da Abrasco, ressalta que é preciso também viabilizar atrativos profissionais.
"Existem muitos desafios na formulação e operacionalização de programas como o Mais Médicos. Dentre eles, destaca-se a necessidade de construção de um processo de efetivação de um quadro permanente de profissionais na atenção primária à saúde e no Sistema Único de Saúde. Para isso, a Estratégia de Saúde da Família e o Sistema Único precisam viabilizar planos de carreira, cargos e salários para seus profissionais com vínculos estáveis, proteção social e oportunidade de desenvolvimento e definição de projetos de vida no serviço público."
Formação
Um ponto considerado estratégico no relançamento do Mais Médicos é a formação de profissionais. Segundo dados do Ministério da Saúde, mais de 40% dos participantes desistem do programa para buscar capacitação.
Para reverter esse índice e reduzir a rotatividade, o programa vai oferecer oportunidades educacionais, como a possibilidade de realização de especialização, com foco em Medicina da Família. O Ministério da Educação atuará junto com o Ministério da Saúde para viabilizar essas ações.
Deivisson Viana pontua que união entre as duas pastas traz mais alcance e facilita a fixação de profissionais em regiões mais afastadas. "Os médicos que vão fazer a atenção recebem, além do curso de especialização, a supervisão institucional de um supervisor ligado a uma universidade, que, uma vez é por mês, está com ele para tirar dúvidas e acompanhar o trabalho clínico."
Luiz Augusto Facchini afirma que o programa tem potencial de expandir estratégia de saúde da família do SUS e mudar a realidade de locais com vazios assistenciais.
"A possibilidade de motivar médicos e médicas do Brasil para participar do Mais Médicos tem múltiplas vantagens. Uma delas é fortalecer os laços desses jovens com a diversidade e a riqueza cultural do país. Também merece destaque a participação da juventude médica brasileira na constituição de uma ampla rede de profissionais do SUS e da Estratégia de Saúde da Família, constituindo, portanto, um corpo, não apenas provisório, mas permanente de profissionais para atender a população e atuar em todos os âmbitos do Sistema Único de Saúde."
Criado em 2013, por meio de uma medida provisória posteriormente convertida em lei, o Mais Médicos tem a finalidade de formar recursos humanos para que o SUS esteja presente onde há escassez ou ausência de profissionais. Inicialmente, o programa previa um período de 3 anos para atuação dos contratados e contratadas. A retomada este ano aumentou esse prazo para 4 anos, prorrogáveis por igual período.
Edição: Nicolau Soares