Vocês são corajosos, hein?
Ando me lembrando muito de histórias relacionadas com o rádio. Sempre gostei de rádio, mas na minha casa não tinha quando eu era criança. Aliás, pouca gente que eu conhecia tinha.
Havia uma novela de rádio voltada para crianças, “Jerônimo, o herói do Sertão”, que eu gostava e ia ouvir na casa de amigos. Os adultos interessados nas notícias, iam à casa de algum vizinho mais rico para ouvir o Repórter Esso.
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Meus conterrâneos contavam muitas histórias sobre como as pessoas se impressionavam com o rádio na primeira vez que ouviam. E para ouvir o noticiário oficial do governo, a Hora do Brasil, alguns se postavam na frente do aparelho de rádio como se fossem participar de uma cerimônia, todo mundo calado, só faltava bater continência.
Mas, durante o Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas, tinha uma turma que não era assim. Um bando se reunia na casa do único possuidor de um aparelho de rádio na Hora do Brasil pra falar mal de Getúlio. Comentavam negativamente as notícias e xingavam o ditador.
Um dia, um gozador passou lá nessa hora e depois de ouvir aquilo tudo comentou com o dono da casa: “Vocês são corajosos, hein?”.
O sujeito quis saber porque e ele inventou que o rádio transmitia a conversa de quem estava ouvindo diretamente para a emissora, que era ligada a Getúlio Vargas. Os xingamentos chegavam no ditador e um dia a repressão apareceria ali, pra prender os opositores. O dono do rádio não vacilou: arrebentou o aparelho a machadadas.
Mas uma coisa interessante aconteceu com um parente distante que eu tinha.
Mais causos: Coluna do Mouzar
Na época da II Guerra Mundial, ele gostava de ouvir as notícias sobre a guerra. O locutor começava falando do local de origem da notícia. Por exemplo: “Washington... O presidente dos Estados Unidos determinou isso e aquilo”. E havia muitas notícias vindas de Wellington, capital da Nova Zelândia.
Ele ficava fascinado por esses nomes estrangeiros, Washington e Wellington. Aí nasceram dois filhos gêmeos dele. Não teve dúvida: ia colocar esses nomes neles.
Só que sua pronúncia não ajudava, e o dono do cartório, que nem sabia da existência dessas cidades, registrava as crianças de acordo com o que ouvia. E registrou.
Quando jovem, conheci esses dois gêmeos. Os nomes deles, vi escrito, não eram bem Washington e Wellington. Eram Osto e Elto.
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Daniel Lamir