Análise

Sakamoto: Telegram espalha terror sobre PL das Fake News e desce mais que o Google

Outras big techs já se afastam da empresa, que distorce proposta de combater o ódio nas redes

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Trecho de mensagem recebida por usuários brasileiros do Telegram nesta terça-feira - Reprodução

O Telegram enviou mensagem aos usuários da plataforma, às 15h01 desta terça (9), atacando o projeto 2630/2020, conhecido como o PL das Fake News, que trata da regulação das redes sociais e aplicativos. A empresa resolveu tocar o terror afirmando que "a democracia está sob ataque no Brasil" e que a lei, se aprovada, "matará a internet moderna". Ironicamente, ao distorcer a proposta, espalhando desinformação, ela mostra por que ele é tão necessário.

A ação é mais abusiva do que aquela praticada pelo Google no 1º de maio, véspera da data que estava prevista para a votação do PL na Câmara dos Deputados.

A página principal do buscador estampou, naquele momento, o link "O PL das fake news pode piorar sua internet", levando a um texto crítico ao PL no blog da empresa. O usuário consumia o conteúdo como se fosse uma notícia e não uma opinião que interessava à própria empresa. No caso do Telegram, a mensagem ainda por cima atingiu diretamente a caixa postal dos usuários, invadindo os celulares, o que é muito pior.

O Ministério da Justiça notificou o Google sob pena de multa e o Ministério Público Federal convocou representantes para dar esclarecimentos. A votação acabou adiada por causa do lobby das plataformas aliado à pressão da extrema direita. Devem fazer o mesmo com o Telegram.

O texto enviado pelo Telegram afirma que o projeto "concede poderes de censura", permitindo "que o governo limite o que pode ser dito on-line ao forçar os aplicativos a removerem proativamente fatos ou opiniões que ele considera 'inaceitáveis' e suspenda qualquer serviço de internet sem uma ordem judicial". Isso é uma distorção da proposta de regulação das redes e aplicativos de mensagens previsto no PL.

A mensagem ainda pede aos usuários para falarem com os seus deputados a fim de impedir a aprovação do projeto, que a empresa chama de "desnecessário".

João Brant, secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, afirmou à coluna que "a ação abusa do poder econômico e explora a confiança do usuário para defesa de interesses corporativos próprios".

Ele destaca ainda que isso acontece "por parte de uma empresa cuja única presença no Brasil é na forma de representação de um escritório de advocacia".

Telegram coleciona casos de desrespeito à lei

O Telegram chegou a ficar dois dias suspenso, voltando ao ar no dia 29 de abril, por determinação da da 1ª Vara da Justiça Federal de Linhares, no Espírito Santo. A empresa entregou à Polícia Federal de modo precário e insuficiente informações sobre grupos neonazistas que usam os seus serviço, segundo a decisão judicial.

E não foi a primeira vez que isso acontece. Sob a justificativa de que o Telegram desprezava e ignorava a Justiça brasileira, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes atendeu, em 17 de março do ano passado, a um pedido da PF e ordenou a suspensão do aplicativo no país. Ele usou o descumprimento de decisões judiciais que determinavam o bloqueio de contas do blogueiro Allan dos Santos.

Lançada em 2013 pelos irmãos russos Nikolai e Pavel Durov, a empresa está registrada em Dubai, nos Emirados Árabes. O Telegram tem muito menos regras de uso para a sua comunidade do que o WhatsApp.

O relator Orlando Silva (PC do B-SP) retirou o projeto 2630/2020 de pauta no dia 2 de maio. A avaliação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é de que não havia certeza de aprovação por conta das defecções nos últimos dias em decorrência da campanha contra o PL. E a campanha girou em torno de falsas acusações de que, aprovada, a lei irá censurar postagens individuais de versículos da Bíblia, fotos de família, críticas a governos.

Na verdade, o projeto não pune publicações de usuários, mas obriga as plataformas a atuarem para evitar a disseminação de ódio contra pessoas, grupos e o Estado democrático de direito de uma maneira geral.

O termo "censura" funciona há tempos como um gatilho para mobilizar bolsonaristas e ultraconservadores. Costuma ser empregado por lideranças desses grupos quando o seu "direito" de calar ou incitar violência contra mulheres, negros, religiões de matriz africana, pessoas LGBTQIA+ está em risco.

Desta vez, esse gatilho encontrou um terreno fértil devido ao engajamento das plataformas, que lutam contra o projeto não por liberdade de expressão, mas para evitar o gasto bilionário que terão que fazer para o monitoramento de crimes em suas redes sociais caso o PL vire lei.

Meta e Google se distanciam da ação do Telegram

A ação do Telegram já produziu um resultado: afastar outras big techs de perto da empresa.

Ao afirmar na mensagem que o PL é perigoso, a plataforma diz que "é por isso que Google, Meta e outros se uniram para mostrar ao Congresso Nacional do Brasil a razão pela qual o projeto de lei precisa ser reescrito".

Em nota enviada à imprensa, a Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, "refuta o uso de seu nome pelo Telegram na referida mensagem e nega as alegações no texto". O Google foi na mesma linha.