Atualmente fornecidas por empresas contratadas pelo governo de Minas Gerais, as refeições nas penitenciárias do estado têm sido alvo de uma sequência de denúncias. Um dos pontos culminantes aconteceu na unidade de Paracatu (MG), onde um gambá foi fotografado dentro de uma das cubas de alumínio que armazenavam a comida que seria servida aos policiais penais.
Diversos relatos e imagens provam que o fato não é isolado. Tanto a refeição que é fornecida às pessoas em privação de liberdade em penitenciárias e centros socioeducativos, que chegam em marmitas de isopor, quanto as refeições dos servidores públicos do sistema prisional chegam constantemente azedas ou com larvas, baratas e moscas.
“O arroz vai cheio de água, o feijão com pedra, a carne crua”, descreve Miriam Estefânia dos Santos, presidenta da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade. Em uma visita ao Centro de Remanejamento Provisório de Belo Horizonte (Ceresp) Gameleira, Miriam presenciou o estado das refeições.
“Quando eu vi a comida, meu estômago revirou. O ovo mexido, não sabia se era vermelho, se era azul. Eu tomei um suco e fiquei três dias passando mal”, relembra. “Aí você pensa: isso não é comida para fornecer a uma pessoa privada de liberdade, nem a um trabalhador que está fazendo 12 horas de plantão”, reforça.
Servidores sem opção
Os casos foram tratados na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em audiência da Comissão de Segurança Pública, em 25 de abril deste ano. Segundo Luzana Moreira, presidenta do Sindicato dos Servidores do Sistema Socioeducativo do Estado, presente na audiência, a situação tem ficado “cada dia mais insuportável”.
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A servidora expôs uma série de fotos mostrando feijão com larvas, peixe com larvas e comidas transportadas sem os devidos cuidados. A gestão tem sido pior nas unidades que têm contratos com organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips), de acordo com Luzana.
“Onde está sendo compartilhada a gestão com as Oscips, as frutas não têm chegado ao servidor. Aconteceu diversas vezes de o alimento chegar para o adolescente e para o servidor não, e a empresa trazer esse alimento 17h, 18h. O que é desumano”, indigna-se.
“A forma como o governo e essas empresas vêm tratando a gente não contribui em nada, pelo contrário, todo dia é um transtorno”, completa.
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Contratos milionários
O serviço de refeições para funcionários públicos do sistema penal, para pessoas privadas de liberdade nas unidades penitenciárias do estado e para os adolescentes em centros socioeducativos é realizado por Oscips contratadas pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp).
O Portal da Transparência de Minas Gerais mostra que os contratos têm valores milionários. O Presídio de Paracatu, onde ocorreu o episódio com o gambá, é atendido pela Total Alimentação S/A, com o último contrato iniciado em 24 de fevereiro deste ano, no valor de R$ 2,4 milhões, para fornecimento de refeições durante 12 meses.
Essa é uma pequena parte da verba pública já recebida pela Total Alimentação. Começando em 2015 com a venda de refeições ao centro socioeducativo de Sete Lagoas, a empresa aumentou progressivamente a parceria com o estado e já forneceu refeições a penitenciárias de dezenas de cidades mineiras, recebendo por isso mais de R$ 265 milhões até o ano passado.
Os contratos da Total Alimentação com o governo mineiro para 2023 já somam R$ 39 milhões.
Por que não rescindir o contrato?
O fornecimento de refeições ao sistema prisional de Minas Gerais começou a ser terceirizado massivamente em 2018. Até então, a alimentação era produzida nas próprias unidades em parte do sistema.
Minas Gerais possui, hoje, 106 contratos com 22 empresas para a oferta de alimentos a 195 unidades penitenciárias e socioeducativas, segundo informação de Ana Luisa Falcão, subsecretária de Gestão Administrativa, Logística e Tecnologia do Minas Gerais.
Durante a audiência pública, a subsecretária ainda comunicou que as empresas receberam mais de 4,5 mil notificações no último ano, quando foram realizadas 230 visitas às cozinhas das contratadas.
“Todas as notificações, fiscalizações e denúncias feitas pelos meios oficiais vão ser apuradas para gerar o processo administrativo punitivo, que é a única forma de rescindir um contrato de alimentação”, garantiu.
No caso específico de Paracatu, Ana Luisa assegurou que o fato não foi notificado oficialmente.
A reportagem do Brasil de Fato MG perguntou ao governo Romeu Zema (Novo) se o modelo de terceirização não vai ser revisto, frente a tantas denúncias, mas não obteve resposta até a publicação da matéria.
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Policiais reivindicam vale-alimentação
A defesa do Sindicato dos Policiais Penais no Estado de Minas Gerais (Sindppen) é que o estado passe a pagar vale-alimentação aos servidores do sistema. Wladmir Dantas, vice-presidente do Sindppen, argumenta que a construção de cozinhas, solução que está sendo testada pelo governo em algumas unidades, não é apoiada pelos policiais penais.
“Somos contra as unidades terem cozinha, pela presença de facas, garfos, que impactam na segurança e podem ser usados em uma situação de motim”, explica. Além disso, segundo o policial, as cozinhas devem ser geridas pelas mesmas empresas contratadas, o que só mudaria o local do problema.
Para os policiais, o vale-alimentação, reivindicado no valor de R$ 75, daria a liberdade do trabalhador escolher o que precisa e o que quer comer durante o seu plantão, porém, o governo tem sido irredutível quanto a esse debate.
“O sindicato tenta constantemente diálogo com o governo, mas não tem êxito. Precisamos que o governo sente com a gente para conversar sobre as soluções do problema”, reforça Wladmir.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Larissa Costa