O governo do Distrito Federal publicou, no Diário Oficial do dia 4 de maio, a Lei Complementar Nº 1.021/2023, que autoriza a extensão de usos e atividades para os lotes do Setor Comercial Sul. A nova legislação também veta atividades de assistência social, especialmente atendimentos psicossociais e albergues. Essas destinações já haviam sido aprovadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e possibilitariam apoio a população em situação de rua.
A nova normativa amplia as funções comerciais e imobiliárias do Setor Comercial Sul, em detrimento de atividades de saúde e moradia.
No total, foram oito vetos, são eles: atividades de atenção à saúde humana integradas com assistência social; atividades de assistência a deficientes físicos, imunodeprimidos e convalescentes; centros de apoio a pacientes com câncer e com AIDS; atividades de fornecimento de infraestrutura de apoio e assistência a paciente no domicílio; atividades de centros de assistência psicossocial; atividades de assistência psicossocial e à saúde a portadores de distúrbios psíquicos, deficiência mental e dependência química e grupos similares não especificadas anteriormente; albergues assistenciais; e, serviços de assistência social sem alojamento.
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Na prática, os vetos do Governador podem inviabilizar a continuidade dos serviços oferecidos pelo Centro Atendimento Psicossocial (CAPS) localizado na região. Segundo informações, o Centro possui 800 pacientes e realiza mais de 3 mil procedimentos por mês, a maioria para a população em situação de rua. "É o que os comerciantes e a especulação imobiliária almejam, porque o CAPS é o espaço que cuida da população em situação de rua", explica um trabalhador da região que prefere não se identificar.
Para Rubens Bias, membro do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e conselheiro de Saúde do DF, os vetos representam uma construção de cidade que exclui as pessoas mais pobres. "Precisamos ficar atentos a simbologia dessa decisão. A partir de agora, por exemplo, vai ser possível no Setor Comercial Sul fabricar cerveja, vender cerveja, vender outras bebidas, mas caso tenham pessoas que façam uso abusivo, que precisem de cuidado, elas serão impedidas de ter esse cuidado ali naquele espaço. Então, tem a legitimação do espaço como fabricação e venda desses produtos que causam dependência, que podem levar a um uso prejudicial, mas fica impedido que essas pessoas recebam cuidados".
Na mesma Lei o governador permite atividades de saúde, mas privadas. "Consultórios particulares são permitidos. Então quem tem problemas com álcool e outras drogas e puder pagar, vai ter seu cuidado ali no Setor Comercial Sul, mas quem não pode pagar, as pessoas pobres, serão excluídas. É interessante analisar os tipos de serviços públicos que foram excluídos, que são serviços voltados para pessoas com deficiência, com HIV/AIDS, assistência social e serviços voltados a pessoas com distúrbios e uso abusivo de álcool e outras drogas, essas são as pessoas que o Governo vai tentar impedir a circulação no centro, no coração de Brasília", destaca Rubens Bias.
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"Essa medida é higienismo social, ela impede que as pessoas que deveriam estar sendo cuidadas circulem livremente pela cidade. O impedimento dessas atividades vem junto com o recrudescimento das relações sociais no Setor Comercial Sul, quem acompanha ali tem visto que a polícia tem sido cada vez mais violenta, truculenta, com abordagens violentas e desnecessárias contra a população em situação de rua. Tudo isso é um projeto de cidade que não cuida, um projeto de cidade que exclui as pessoas que precisam de apoio e suporte, mas que continua garantindo livre acesso para aqueles que têm dinheiro", aponta o conselheiro de Saúde do DF.
O Brasil de Fato DF procurou a Secretaria de Saúde para informar sobre os impactos da nova legislação nos atendimentos oferecidos pelo CAPS Candango, mas até o fechamento desta matéria não tivemos resposta.
Entidades repudiam vetos
O projeto, agora em vigor, foi discutido na Câmara Legislativa e em audiências públicas com participação de entidades que apoiam a população em situação de rua no Distrito Federal.
Essas entidades repudiaram os vetos do governador Ibaneis Rocha (MDB), sobretudo porque a medida impossibilita que pessoas em situação de rua tenham acesso a atendimento de saúde e saúde mental na região.
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“Esse veto do governador atrapalha muito a luta e a política pra população de rua. Principalmente as pessoas que já se encontram ali no Setor Comercial Sul”, argumentou Rogério Barba, presidente do Instituto Barba na Rua. Ele argumenta que é necessário oferecer ao menos a pernoite em um prédio do Setor Comercial Sul. “Se cria política pública e automaticamente se exclui a população em vulnerabilidade que já está ali?”, questiona.
O presidente do Barba na Rua lembrou que um dos efeitos da pandemia do Covid-19 foi o aumento da população de rua em Brasília, sem a contrapartida de uma política publica voltada para essa população. “É uma coisa que não vai resolver sem uma política publica. Vai continuar do jeito que está e automaticamente a tendência ali é aumentar, porque as pessoas vêm perdendo os seus empregos ainda com efeito da pandemia”, afirmou Rogério Barba.
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O Instituto No Setor também repudiou os vetos do governador e cobrou políticas publicas voltadas à população em situação de rua. “Retirar as políticas e serviços de assistência social e de saúde do território é incentivar que a segurança pública (e a polícia) seja a única política pública que vai atuar com essa população”, disse o Instituto, em nota.
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Fonte: BdF Distrito Federal
Edição: Flávia Quirino