Durante todo o mês de maio, em Cuba, serão realizadas as 16ª Jornadas contra a Homofobia e a Transfobia, promovida pelo Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex), órgão ligado ao Ministério da Saúde. Desde 2007, essas jornadas tem o objetivo de aumentar a conscientização e a sensibilização na luta contra a discriminação sexual e de gênero.
Sob o lema "com todas as famílias, o amor é lei", a conferência deste ano será dedicada ao novo código da família, aprovado por referendo em julho de 2022. O código legalizou em Cuba o casamento igualitário e a adoção de crianças por casais LGBTIQ+, entre outros avanços de direitos.
"A jornada deste ano foi dedicada ao novo código de família, nossa instituição está realizando uma forte campanha para mostrar às pessoas que, só porque uma criança é criada em uma família do mesmo sexo, essa criança não será necessariamente gay", disse Yuleiski More, advogado e membro do CENESEX, ao Brasil de Fato.
"Da mesma forma que a heterossexualidade não é contagiosa, a homossexualidade também não é. O que é contagioso é a homopatia. O que é contagioso é a homofobia, que vai contra todos os direitos e a dignidade humana. O papel de nossa instituição é garantir que os preconceitos e estereótipos sejam eliminados, assim como as visões patriarcais que ainda persistem em nossa sociedade", completa, ele.
Fundado em 1988, o Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex) é uma instituição especializada do Ministério da Saúde e, ao mesmo tempo, um Centro de Estudos de Pós-Graduação em Ciências Médicas há 35 anos. Seu objetivo é, de acordo com sua própria apresentação, "promover a educação sexual a partir do paradigma emancipatório do socialismo, considerando as perspectivas sócio-históricas da sexualidade, nas quais estão integradas suas bases biológicas e ambientais".
Além das atividades acadêmicas, o Cenesex oferece atualmente, durante todo o ano, assessoria jurídica em casos de discriminação, apoio psicológico a vítimas de abuso e aconselhamento a pessoas transgênero, entre outras atividades.
"Diante de violações de direitos, recebemos pedidos de aconselhamento. Acompanhamos as pessoas em diferentes áreas, para que elas não fiquem sozinhas e conheçam seus direitos", diz Yulieski More, que complementa dizendo que "assim como recebemos reclamações sobre discriminação, também recebemos pessoas interessadas em aprender como ter melhores formas de se relacionar com as comunidades LGBTIQ+."
"Recentemente, recebemos gerentes da Aviação Civil que nos perguntaram como deveriam tratar uma garota transgênero que acabara de começar a trabalhar lá. E nós respondemos que eles deveriam tratá-la como qualquer outra pessoa, mas, é claro, respeitando seus direitos: respeitando seu nome, sua identidade, sua autopercepção de gênero".
O direito de existir
Desde o início deste ano, um grupo de jovens de diferentes províncias de Cuba organizou um grupo chamado Trans Masculinos de Cuba. Trata-se de um espaço de acompanhamento e apoio a pessoas que optaram por iniciar uma transição de gênero. Ao mesmo tempo, eles desenvolvem atividades de discussão crítica sobre masculinidades opressivas, sexismo e mandatos de gênero.
"O mais importante e desafiador é o acompanhamento emocional das pessoas. Mas queremos que esses acompanhamentos nas transições sejam, ao mesmo tempo, um processo de reflexão sobre nossas práticas e mandatos de gênero", reflete Verde Gil Jiménez, membro coordenador do Grupo Trans Masculinos de Cuba.
Verde Gil Jiménez é um jovem expoente do novo ativismo LGBTIQ+ que vem ganhando força na ilha há alguns anos. Membro da União de Jovens Comunistas (UJC), Jiménez acredita que o debate social que o novo código de família abriu em Cuba foi um passo muito importante na aquisição de direitos, mas que ainda há importantes lutas sociais pela frente.
"Acho que a Revolução ainda tem dívidas com as comunidades diversas. As dívidas estão presentes nos problemas que ainda não encontraram uma saída", afirma Verde Gil Jiménez, acrescentando que "ainda é necessário tornar as pessoas de comunidades diversas mais visíveis por meio da comunicação social, melhorar o acesso à educação sexual para que as pessoas da comunidade também se sintam parte dessa sociedade, para que não tenham medo, para que não se sintam sozinhas. Todas essas são dívidas pendentes. E, é claro, não posso deixar de ressaltar que é necessário um espaço de diálogo onde também se peça desculpas por um momento da Revolução em que houve pessoas responsáveis por espaços importantes que agiram de forma discriminatória, opressiva e humilhante em relação às pessoas LGBTQIA+."
O impacto da crise social afeta diferentes setores sociais de forma desigual. Apesar de em Cuba existirem vários programas sociais que buscam garantir o pleno emprego, o acesso à saúde, à educação, ao esporte e à cultura para toda a população, crises econômicas como a que a ilha vive atualmente sempre afetam com maior ênfase os setores mais vulneráveis.
"Cuba, como a maioria dos países, está passando por uma crise muito forte. Nosso país continua sendo um país subdesenvolvido em muitos aspectos e o constante cerco econômico, financeiro e comercial dos Estados Unidos piora toda a crise."
"Inevitavelmente, a crise está afetando as grandes conquistas da revolução, que são a saúde pública e a educação. A falta de recursos e suprimentos, bem como a migração de profissionais, está prejudicando essas conquistas", disse Jiménez ao Brasil de Fato.
Ver a vida através dos olhos das mulheres
Assim como o código da família foi acompanhado por um novo ativismo social ligado às diversidades e às comunidades LGBTIQ+, as lutas feministas também cresceram nos últimos tempos em Cuba.
"Durante décadas, não houve tanto debate feminista em Cuba como há agora. Há um florescimento de questões feministas. Surgiram espaços para jovens entre mulheres comunicadoras, mulheres na cultura, mulheres na universidade, diferentes espaços", diz Georgina Alfonso González, diretora do Instituto de Filosofia, ao Brasil de Fato.
"Por quê? Porque essas jovens estão vendo que as mulheres, que também são mulheres com força, com educação, com dignidade, estão perdendo espaço na sociedade e há um aumento da violência contra as mulheres, há uma feminização da pobreza, há um retorno das mulheres ao lar, há uma desvalorização do trabalho de cuidado. Isso tudo afeta as mulheres", reflete Alfonso González.
As lutas das mulheres foram uma parte indispensável de toda a história do processo revolucionário, ainda que a historiografia oficial frequentemente se refira à epopeia cubana como "a revolução dos homens barbudos". As mulheres cubanas formaram seu próprio pelotão na guerrilha em 1958, apesar da discordância de muitos oficiais guerrilheiros.
Enfrentando um contexto fortemente machista, elas não apenas lutaram contra a ditadura de Batista, mas também tiveram que enfrentar os preconceitos de seus próprios companheiros. Apesar disso, as mulheres conseguiram ocupar posições de liderança de destaque na revolução.
Em 1960, apenas um ano após o triunfo da revolução, a Federação das Mulheres Cubanas foi fundada por Vilma Espín, juntamente com outras importantes comandantes, para lutar pela "emancipação das mulheres". O agrupamento reuniu várias organizações que vinham participando do processo revolucionário, entre elas a Unidad Femenina Revolucionaria (principalmente mulheres camponesas), a Columna Agraria, as Brigadas Femeninas Revolucionarias, os Grupos de Mujeres Humanistas e a Hermandad de Madres (Irmandade das Mães).
A partir desse momento, a Federação de Mulheres Cubanas desempenhou um papel preponderante na conquista de direitos para as mulheres da ilha. Uma das conquistas mais retumbantes, dada sua relevância atual para as lutas feministas em todo o mundo, foi a legalização do aborto em 1961.
"Muitas das demandas que a Federação das Mulheres Cubanas apresentou naquela época foram conquistadas, alcançando importantes avanços sociais. Mas a luta pela emancipação e igualdade continua fazendo parte das demandas das mulheres de hoje. Porque a lógica predominante ainda é patriarcal: o funcionamento da economia e da política ainda é patriarcal. E enquanto houver uma lógica patriarcal, as mulheres farão reivindicações", diz Alfonso González.
"Com a crise, muitos homens e mulheres cubanos tiveram que começar a trabalhar em vários empregos para cobrir suas despesas diárias. Porque eles não conseguem pagar as contas. E são as mulheres que também têm de cuidar de suas famílias e estender ainda mais suas horas de trabalho, neste caso em casa, o que as torna invisíveis.
Para aqueles que lutam por mais direitos, a campanha deste mês de maio contra a discriminação e a homofobia é um lembrete de que ainda há muito a ser feito.
"Nós admiramos o trabalho que fazemos, mas tecnicamente não deveríamos ter um serviço de assistência jurídica. Em uma Cuba ideal, em uma sociedade ideal onde os direitos de todas as pessoas são respeitados, não deve haver violação de nenhum tipo de direito, mas sim respeito pelo outro, respeito pela decisão individual dos outros. Portanto, eu sonho com uma Cuba mais inclusiva e é para isso que estamos trabalhando. Porque, assim como acreditamos que um mundo melhor é possível, também acreditamos que uma Cuba inclusiva, muito mais inclusiva, também é possível", diz Yulieski More.
Edição: Rodrigo Durão Coelho