É bastante provável que a semana que termina nesta sexta-feira (19) seja lembrada pelo ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol como a pior de sua vida desde que entrou (formalmente) para a política. Após ter tido o mandato cassado por unanimidade pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele passou por situações que certamente serão lembradas (por ele) com amargura. O último ato foi uma carreata sem carros em apoio a ele em Curitiba.
As imagens viralizaram nas redes sociais. Do alto de um trio elétrico, Deltan observava as ruas tomadas por ninguém. A "mobilização" (se é que pode ser chamada assim), foi convocada por figuras com nomes como Delegado Xerifão (deputado estadual no Paraná pelo União Brasil) e Investigador Cabelo.
Deltan Dallagnol e sua equipe " O Brasil não dormiu" hahaha alguém aí não dormiu ?
— Bia Nunes (@biacardio) May 19, 2023
( Detalhe pro final no vídeo a quantidade de carros da "carreata") pic.twitter.com/PpL1Ldi8md
Em uma das imagens que circulam pela internet é possível ouvir o também deputado estadual paranaense Fábio Oliveira (Podemos) bradar: "na última terça-feira [dia da cassação] o Brasil não dormiu. O paranaense ficou sem chão". Muitas das pessoas que tiveram uma noite tranquila de sono ironizaram.
Congressistas que tiveram a questionável honra de dividir o plenário da Câmara com Dallagnol comentaram o episódio. O vice-líder do governo na Câmara, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), lembrou a recente queda nos preços dos combustíveis e disse que nem assim o ex-procurador conseguiu mobilizar seus eleitores.
Nem com a gasolina com preço mais baixo Dallagnol tá conseguindo mobilizar o povo pra ir pra sua carreata. pic.twitter.com/G3BkRCkQHV
— Zarattini (@CarlosZarattini) May 19, 2023
Para o também deputado federal André Janones (Avante-MG), a carreata teve, na verdade, clima de marcha fúnebre. Ele aproveitou para perguntar a seus seguidores se tinham "dormido bem" na última terça-feira. Pouco depois das 19h desta sexta, a turma que tinha tido uma boa noite de sono representava mais de 92% dos participantes da enquete.
AGORA: Em Curitiba Deltan Dallagnol tenta fazer carreata, mas o clima foi de marcha fúnebre. pic.twitter.com/RqAALzpXTo
— André Janones (@AndreJanonesAdv) May 19, 2023
Revolta na TV
A carreata desta sexta-feira, porém, não foi a única repercussão da cassação. Sempre afeito aos microfones da imprensa, Dallagnol se apresentou para comentar o caso e demonstrar sua indignação. Nem sempre deu certo.
Na última quinta-feira (18), em entrevista à jornalista Julia Duailibi, da Globonews, ele demonstrou não estar pronto para rebater alguns questionamentos e perdeu as estribeiras quando teve seus argumentos comparados aos usados por aliados do hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quando, no papel de procurador, Dallagnol usou sua convicção (e poucas provas) para acusá-lo.
"O senhor diz que há uma perseguição, uma tentativa de chegar a todos que combateram a corrupção. Lá atrás, quando o senhor estava no polo de acusação contra o PT, esse argumento era usado, também, pelo PT e pelos aliados do agora presidente", lembrou a jornalista.
"O que a gente ouvia do polo da acusação, do qual o senhor fazia parte, era de que 'não, a Justiça, em muitos casos, está dando decisão unânime, estão desconfiando da Justiça?'", prosseguiu Duailibi. "Agora o senhor usa o argumento usado pelo PT para dizer que há perseguição, sendo que a decisão também foi unânime, do Tribunal Superior Eleitoral. Não parece uma ironia?", perguntou.
Demonstrando nervosismo, falando alto e rápido, citando "pessoas corruptas em Brasília", ele tentou se justificar, mas levou nova invertida. "Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral não foram escolhidos por este presidente [Lula]", lembrou a jornalista.
Quando quiser ensinar para seu filho o significado de ironia, mostra esse vídeo aqui do Dallagnol. pic.twitter.com/TwfFeiISIF
— GugaNoblat (@GugaNoblat) May 19, 2023
O bolsonarismo e o lavajatismo poderão até usar o argumento de que a jornalista, vinculada ao grupo Globo, está contra o nobre ex-procurador. Entretanto, mesmo quando estava "jogando em casa", dando entrevista à Jovem Pan, Dallagnol não conseguiu se conter.
O apresentador do programa Morning Show levantou a bola para o ex-procurador cortar, citando um post publicado por perfil do governo federal nas redes sociais com suposta referência ao famoso PowerPoint de Dallagnol: "como você vê esse uso da máquina, obviamente para te atingir?", perguntou o âncora.
"Esse é um revanchismo! É um PowerPoint fake! A primeira vitória desse Governo foi ter me cassado", disse, tentando transferir para o governo a decisão da TSE. "Nós vivemos um governo de vingança, um governo que divide. Que divide entre todas, todes, todos e daqui a pouco vai faltar letra no alfabeto", respondeu o deputado cassado, aproveitando a deixa para destilar homofobia atacando o uso de linguagem neutra.
Deltan Dallagnol tá puto com o PowerPoint do Lula😤 pic.twitter.com/buPRwBfTEu
— Gustavo Canalhão (@gustavocanalhao) May 18, 2023
Cenas dos próximos capítulos?
Mesmo sem ter as atribuições como parlamentar, Dallagnol não poderá reclamar de monotonia, e provavelmente vai protagonizar mais cenas que repercutirão nas redes sociais. Na tarde desta sexta, o novo juiz titular da Operação Lava Jato, Eduardo Appio, o convocou para prestar depoimento (na condição de testemunha) sobre declarações do advogado Rodrigo Tacla Duran, réu por suposta lavagem de dinheiro para a empreiteira Odebrecht.
No fim de março, Tacla Duran, em depoimento a Appio, afirmou que foi chantageado em troca de benefícios enquanto Dallagnol e o ex-juiz e hoje senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) atuavam na operação. O depoimento está marcado para daqui exatamente um mês, em 19 de junho, em Curitiba. Até lá, o ex-procurador poderá tentar mobilizar parte de seus 344.917 eleitores para uma nova carreata.
Edição: Rodrigo Durão Coelho