Herança cultural

Capoeira de Angola: contramestre defende ensino além do 'olhar do colonizador e do capitalismo'

O Grupo Semente do Jogo de Angola se dedica a disseminar a capoeira de angola pelo Brasil e pelo mundo

Ouça o áudio:

Mestre Jogo de Dentro que fundou o Grupo Semente do Jogo de Angola em 1990 em Salvador ao lado de Mestre João Pequeno de Pastinha - Divulgação Grupo de Capoeira Semente do Jogo de Angola
Queremos passar é que esses jovens podem transformar a vida através dessa riqueza cultural

Ao som do berimbau, de pandeiros e atabaques, os dois capoeiristas se cumprimentam, ao som de cantorias e palmas. Da bênção à meia-lua de frente, com gingados mais lentos e movimentos furtivos e mais dançados assim começa mais uma roda de capoeira de Angola. 

Há 32 anos o Grupo Semente do Jogo de Angola luta para disseminar a capoeira como uma prática de resistência, de fortalecimento e disseminação da cultura negra. Criado por Jorge Egídio dos Santos, o Mestre Jogo de Dentro, discípulo de Mestre Pastinha, o pai da Capoeira Angola no Brasil. 

“Já tinha conhecido vários mestres, várias rodas, mas foi quando eu conheci o Mestre Pequeno é que descobri o que era a capoeira e o que eu queria. Quando ele entrava na roda, transmitia através do jogo dele, a paz, a confiança, o respeito e a humildade também. Ele era mais do que um capoeirista, ele queria preservar a sua história e preservar a vida”, diz Mestre Jogo de Dentro, em um documentário feito pelo grupo em 2004. 

O grupo possui núcleos nos estados da Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Distrito Federal e também em países como Itália, Canadá, Nova Zelândia, Japão e Israel. O contramestre Alan Amaro dos Santos, mais conhecido como Alan Zas, é discípulo do Mestre Jogo de Dentro e responsável por um dos dois núcleos do Semente da capital paulista. 


O Grupo Semente de Jogo de Angola tem núcleos em cidades do Brasil e do mundo / Divulgação Grupo Semente de Jogo de Angola

Aos 44 anos, ele relembra que começou a praticar a capoeira ainda criança, em um campinho de terra do Jardim Eliana, bairro do Grajaú, zona sul de São Paulo. Sem ter acesso aos saberes dos mestres, as primeiras movimentações vieram da repetição de movimentos dos mais velhos. 

“A capoeira é uma ferramenta de libertação e o grande objetivo de se praticar é buscar essa libertação de várias formas, tanto no corpo, quanto na vida social, quanto na alma”. 

Entre os anos de 1999 e 2000, visitou a Bahia já como professor de capoeira, mas para ele foi um início de outro caminho. Ele buscou praticar com o mestre Fabio Formigão e desde 2010 é um “calça preta”, que é dentro do Grupo Semente que representa uma pessoa que pode dar aula sem a supervisão do mestre e do contramestre. 

“O Mestre Jogo fala isso e é uma fala que vem dos antigos mestre da capoeira angola: ‘O capoeirista não tem que ser só jogador de perna para cima, ele tem que conhecer as raízes que tem a capoeira angola. De fato, o Grupo Semente vai para além do físico, talvez essa seja a parte menos importante, o mais importante é a pessoa conhecer os fundamentos e as raízes da capoeira e a ancestralidade dela ”. 

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Além de pesquisar, o grupo acredita na vivência com os mestres como forma de aprendizado e ter contato com esses saberes. No núcleo onde Alan está a frente há treinos quatro vezes por semana, as atividades começam com movimentos corporais, mas também há aulas de musicalidade, com aulas com os instrumentos e outra parte importante são as músicas, saber o que se canta e porque se canta. 

“O que eu gostaria muito que pudéssemos passar para os jovens com a capoeira angola, em particular na periferia porque é onde justamente é onde estão as pessoas dessa descendência e dessa raiz negra, é que eles pudessem transformar a sua vida através dessa riqueza [cultural] e não só a partir do olhar do colonizador, do mercado, do capitalismo ou do olhar da cultura branca”. 

Uma das bandeiras puxadas pelo Mestre Jogo de Dentro ao redor do mundo é mostrar a importância da capoeira angola na disseminação da cultura e ancestralidade negras, como lembra Alan . 

“O corpo, a música e todos os outros saberes da capoeira de angola fazem parte de uma ancestralidade e identidade negra. E reconhecer essas ligações, faz com que a gente é povo preto faz com que a gente se sinta mais valorizado e mais enraizado naquilo que é nosso”. 

 

Edição: Daniel Lamir