Os últimos dez dias foram de reviravoltas para os integrantes da chamada "República de Curitiba". Na terça-feira passada (16), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o mandato do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), que chefiou a operação Lava Jato antes de entrar oficialmente na política. Já nesta segunda-feira (22), o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) afastou cautelarmente o juiz Eduardo Appio de suas funções na 13ª Vara Criminal de Curitiba, onde tramitam os processos da operação.
As duas decisões reposicionaram o lavajatismo no cenário nacional. Com Dallagnol fora do Congresso, a operação perdeu força na política institucional – área em que ela oficialmente entrou em 2022, com a eleição do próprio ex-procurador e também do ex-juiz Sergio Moro (União-PR) para o Senado. Em compensação, a Lava Jato retomou espaço no Judiciário após o afastamento de Appio e blindou-se, por ora, de suspeitas sobre ela.
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Appio assumiu a 13ª Vara de Curitiba em fevereiro deste ano. Desde então, mostrou-se disposto a ouvir investigados pela Lava Jato que sempre reclamaram estarem sendo vítimas de perseguição ou de abusos da operação. Convocou a prestar depoimento, por exemplo, o advogado Rodrigo Tacla Duran, que diz ter sido extorquido pela operação.
As acusações de Tacla contra a Lava Jato foram encaminhadas por Appio para apuração no Supremo Tribunal Federal (STF), pois citavam o senador Moro e Dallagnol, que era deputado e tinha direito a foro privilegiado. Com isso, reforçaram a necessidade de apuração de eventuais crimes cometidos pelos então membros da Lava Jato.
Appio, porém, foi afastado cautelarmente. Ele é suspeito de acessar o sistema de Justiça Federal para obter o telefone de um advogado que é filho de um desembargador do TRF-4 e questioná-lo sobre impostos numa chamada. O telefonema foi visto como uma ameaça.
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Sem Appio na 13ª Vara, quem reassumiu a condução dos processos da Lava Jato foi a juíza substituta Gabriela Hardt, que trabalhou com Moro. Hardt já julgou processos reforçando entendimentos do ex-colega. Condenou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) transcrevendo trechos de decisão escrita por Moro. Por seu histórico profissional, ninguém acredita que ela continuará dando vozes a críticos da operação. Tacla, aliás, lamentou e criticou o afastamento de Appio em entrevista ao UOL.
O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, também criticou a decisão do TRF-4, em nota. Ele denuncia abusos da Lava Jato há anos. Segundo Kakay, o afastamento de Appio demonstra que a Lava Jato segue ativa nos bastidores.
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"Afastar o juiz de sua jurisdição por um ato que, ao que tudo indica, não tenha gravidade suficiente para tal, é um abuso inominável. É o judiciário desdenhando do judiciário", disse. "É lamentável que essa discussão sobre o poder da ainda existente Lava Jato, pois essa decisão demonstra claramente que a Lava Jato ainda está viva, possa de certa forma fazer as pessoas duvidarem da seriedade do Poder Judiciário."
Tânia Mandarino, integrante do coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (Caad), também acredita que a Lava Jato segue viva, apesar das suspeitas contra a operação e da cassação de Dallagnol. Ela reforçou que o afastamento de Appio e sua substituição por Hardt devem reduzir a pressão sobre a operação temporariamente.
"A Lava Jato recuperou poder [na Justiça], mas na minha avaliação essa situação é temporária", disse ela, em entrevista ao Brasil de Fato.
Tânia também afirmou que, apesar do desgaste, o poder da Lava Jato ainda é considerável. Pode, portanto, causar problemas a seus adversários.
"A Lava Jato é um monstro, um dragão morrendo. Ele está abanando o rabo. Ainda pode destruir bastante coisa no caminho", disse.
A Justiça Federal do Paraná, onde trabalha Appio, não comentou seu afastamento. Appio já declarou que confia que seu caso será revertido.
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Dallagnol já participou de atos em Curitiba realizados em seu apoio. Ele já declarou estar indignado com a cassação de seu mandato e que vai "lutar pelo meu propósito de vida de servir a Deus e ao povo brasileiro".
Moro tem demonstrado apoio a Dallagnol e criticado Eduardo Appio.
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Edição: Nicolau Soares