Análise

CPI do MST ataca Supremo e tem presidente investigado pela Polícia Federal

Sete deputados da CPI receberam doações de acusados de grilagem, desmatamento ilegal e contrabando de madeira e ouro

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Nos debates iniciais o que se viu foi uma tentativa de caracterizar as ações de ocupação de terra como crime - Pedro Stropasolas

A abertura dos trabalhos da CPI do MST, instalada na Câmara dos Deputados, retirou qualquer dúvida que ainda pudesse existir a respeito da isenção e imparcialidade com que tais órgãos do parlamento deveriam ser revestidos. Não apenas na discrepante desproporcionalidade entre os seus integrantes - a maioria composta pela chamada bancada da bala e ruralistas -, mas pela análise dos requerimentos apresentados desde a sua aprovação e das entrevistas concedidas pelo seu relator e presidente, tudo indica apenas uma continuidade da pauta do bolsonarismo, que resultou na tentativa de golpe do dia 8 de janeiro deste ano.

Por mais que tenha tentado vender para a sociedade que a condução dos trabalhos da comissão seria regida por certo republicanismo, o relator mal esperou a primeira sessão e já se dirigiu à imprensa para dizer que as investigações podem chegar no atual líder das pesquisas para a prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, por sinal, personagem contra quem irá disputar o pleito no próximo ano. Ele evidencia, deste modo, interesse meramente de promoção eleitoral e, também, de reposicionar sua imagem profundamente desgastada por investigações policiais e uma gestão desastrosa à frente do ministério do meio ambiente.

Foi de Salles a proposta de realizar diligências relâmpagos com aviso de poucas horas, como se fossem operações policiais, desvirtuando-se assim e mais uma vez os propósitos regimentalmente estabelecidos para essas comissões.

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Um dos requerimentos apresentados na CPI quer convocar, pasme, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski por ter elogiado a atuação de movimentos sociais em palestra realizada. A medida é tão surreal que apenas guarda relação com as condutas criminosas e de destruição contra o Poder Judiciário ocorridos no dia 8 de janeiro. 

Válido lembrar que o STF, acertadamente, suspendeu ações de despejo durante a ocorrência da pandemia do Sars-Cov-2 e talvez daí, somado à prisão e responsabilização de centenas de golpistas no dia 8 de janeiro, venha a ira das bancadas da bala e dos ruralistas contra o STF e o Poder Judiciário.

Ganha mais força essa relação de continuidade entre a pauta bolsonarista de destruição dos poderes constituídos e o uso das Comissões Parlamentares de Inquérito para dar continuidade aos seus propósitos, quando se lê que o presidente do colegiado da Câmara se tornou, ele próprio, investigado. Por ordem de ministro do STF foi determinado que a Polícia Federal investigue o deputado federal que preside os trabalhos da CPI, por suspeitas de incentivo a atos antidemocráticos no Rio Grande do Sul e em Brasília. Presidente que, aliás, como bem mostrou o UOL, tem tido a prática de cortar o microfone de parlamentares mulheres quando fazem uso regimental da palavra. Foi assim que tentou calar a deputada Sâmia Bonfim, do PSOL-SP.

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E tem mais. Matéria publicada pelo jornal O Globo no dia 21 deste mês, revelou que sete membros da comissão que vai investigar o MST receberam contribuições para a campanha de acusados de delitos ambientais e agrários, que vão de desmatamento ilegal a contrabando de ouro. Válido repetir ao leitor para ter certeza de que é isso mesmo que ouviu: sete parlamentares que compõem a CPI do MST receberam doações de quem é acusado de grilagem de terras, desmatamento ilegal e contrabando de madeira e ouro.

Nos debates iniciais o que se viu foi uma tentativa de caracterizar as ações de ocupação de terra como crime, matéria já por diversas vezes analisadas pelos tribunais superiores e de justiça, com ampla vantagem para configuração como legítima no estado de direito democrático e pleno exercício de cidadania. 

Poderia se imaginar que a CPI do MST caísse em descrédito rapidamente quando os trabalhos começassem a ser realizados, mas em menos de uma semana, seus principais atores não apenas conseguiram montar um evidente tribunal de exceção sem qualquer espaço para contraditório, como praticamente tornaram urgente e inafastável que se abra uma Comissão para investigar eles próprios. 

* Patrick Mariano é doutor em teoria geral do estado e filosofia do direito pela USP

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Thalita Pires