Coluna

Moleque besta

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Levanta e Cai era a pinga mais famosa e mais forte de lá. Não existe mais. Há pouco tempo, achei um rótulo dela e vi que tinha 54 graus de álcool - Arquivo Pessoal / Mouzar Benedito
Alguém aguentaria tomar um copo cheio de 'Levanta e Cai' numa virada só?

Alguns adultos dizem que moleque é um bicho besta, e eu às vezes concordo, e não por causa dos moleques de hoje. É em grande parte por minha causa mesmo. E também de outros da minha geração. 

Pra justificar isso, conto um acontecimento de quando eu tinha 11 anos de idade.

A gente tinha o hábito de passear a noite na praça, conversando e admirando a beleza das meninas. Nem era pra paquerar, porque nós moleques éramos muito papudos, mas não tínhamos coragem de chegar nas meninas. Elas, sim, pareciam muito mais adultas e desenvoltas. Se surgia um namorinho juvenil, era por iniciativa delas.

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Num sábado, antes de ir pra esse passeio, que no estado de São Paulo chamava-se footing, mas lá chamávamos de passeio na praça mesmo, passei no bar do Américo pra comprar um doce.

Mas quem estava atendendo no bar era um filho dele, o Vítor, da minha idade. Só tinha ele do lado de dentro do balcão e um outro moleque de fora, e discutiam uma coisa que não era coisa de moleques: alguém aguentaria tomar um copo cheio de Levanta e Cai numa virada só?

Levanta e Cai era a pinga mais famosa e mais forte de lá. Não existe mais. Há pouco tempo, achei um rótulo dela e vi que tinha 54 graus de álcool. Era usada por jovens nas serenatas feitas em noites frias, para beber e esquentar o corpo por dentro, e também para acender fogueiras e esquentar o corpo por fora. 

Era forte demais. 

Papudo, eu fiz pose e sapequei:

– Eu tomo! Não tomo agora porquê tô só com dinheiro pro doce.

O Vítor desafiou:

– Se tomar numa virada só, não precisa pagar.

Mandei pôr a pinga, virei de uma vez e esnobei, puxando o dinheiro do doce:

– Em vez de doce eu vou querer é mais uma dose da Levanta e Cai.

O Vítor serviu uma dose caprichada, eu virei também e saí... Andei uns cinco passos e caí quase duro. Passei mal pra burro! Fiquei mais de um ano traumatizado com a cachaça. Só de pronunciar a palavra pinga, vinha um certo mal-estar. 

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Mas não tomei jeito: passado um tempo, eu me tornei um grande apreciador de cachaça. Cheguei até a ser jurado de um dos primeiros festivais da cachaça em Minas Gerais, realizado na cidade de Sabará. 

Tinham selecionado 14 das melhores de Minas e eu participei da escolha da melhor de todas, que ficou famosa e cara demais. Tão cara que não bebi mais dela. Nem vou contar qual é pra não fazer propaganda. 

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Daniel Lamir