Ruralistas têm urgência em apagar nossa história
Não à toa o termo "guerra química" foi utilizado na publicação Vivendo em Territórios Contaminados: um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado. O estudo conta com uma vasta pesquisa que reuniu conhecimentos coletivos de comunidades cerradeiras, pesquisadoras e pesquisadores e organizações de assessoria e análises laboratoriais.
A expressão bélica para representar os impactos causados por venenos agrícolas no cerrado brasileiro é um alerta sobre as consequências do uso dessas substâncias na saúde das populações locais, mas também nos próprios territórios, essenciais para a sobrevivência.
"Nos corpos, esses produtos se transformam em dores de cabeça, diarreias, mal-estares diversos e em doenças que podem ser irreversíveis, como o câncer e enfermidades causadas por desregulações endócrinas. Já nos territórios, onde se planta, se brinca, se cultiva a ancestralidade, os agrotóxicos se alastram, carregados pelas águas dos rios e espalhados por nuvens de pulverização aérea", diz o documento, que contou com quase 50 especialistas da área.
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Entrevistada pelo Bem Viver desta quinta (1º), Mariana Pontes, uma das organizadoras do dossiê, que atua na equipe da Secretaria Executiva da Campanha Nacional de Defesa do Cerrado, afirma que mesmo frente às consequências o uso de agrotóxicos no Brasil continua crescendo.
"Essas substâncias têm sido usadas como armas químicas nos territórios e têm impedido a produção e a reprodução da vida dos povos do Cerrado. Esses agrotóxicos se alastram, são carregados pelas águas dos rios, espalhados pelas nuvens de pulverização aérea. São os corpos, são os territórios das comunidades que estão sob ameaça há muito tempo. Observamos que o uso dos agrotóxicos só tem crescido, com a liberação de novos produtos, além dos que já são, autorizados."
A pesquisa realizou coleta da água usada em sete comunidades do bioma para análises toxológicas e identificou resíduos de 13 tipos de agrotóxicos. Nenhuma das comunidades estavam livres dos venenos agrícolas. Mais de 46% dos químicos encontrados não tem autorização de uso em países da União Européia por causa do risco à saúde humana.
O estudo foi desenvolvido coletivamente, em uma parceria entre a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Tribunal Permanente dos Povos do Cerrado, que também reuniu as populações locais.
A "guerra" contra as demarcações
A edição ainda repercute o avanço do Projeto de Lei 490/07, conhecido como PL do Marco Temporal, aprovado pela Câmara Federal na noite da última terça-feira (30). O texto agora vai ao Senado, com a proposta de que novas terras só podem ser demarcadas se ocupadas por povos indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988.
"Ruralistas têm urgência em apagar nossa história, destruir nossos biomas, seguir com o genocídio que enfrentamos há 523 anos, para passar a boiada", disse em nota a Articulação dos Povos Indígenas Indígenas do Brasil (Apib).
O Bem Viver também explica que mudanças no texto aprovado exigem uma negociação dupla: com os próprios senadores e com a Câmara, já que, em caso de alterações, a questão volta à apreciação dos deputados. Nessa próxima etapa, no Senado, o governo tentará garantir que integrantes de partidos políticos com presença nos Ministérios mantenham a posição contrária ao projeto.
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Além disso, fontes ouvidas pelo Brasil de Fato dizem que o Planalto avalia que, em comparação à Câmara, o Senado é mais sensível às temáticas ambiental e dos direitos de povos indígenas. O próprio presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é visto como menos refratário à posição do governo do que Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara.
Outro desdobramento na edição é o pedido de responsabilização do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, pela repressão ao protesto dos indígenas do povo Guarani Mbya, da Terra Indígena Jaraguá, na terça-feira (30), na Rodovia dos Bandeirantes.
A solicitação de responsabilizações foi feita pela deputada federal Luciene Cavalcante, pelo deputado estadual Carlos Giannazi e pelo vereador Celso Giannazi, que protocolaram uma representação na Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e outra no Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP).
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No documento, os três também pedem a responsabilização “dos policiais militares, pela aplicação do uso excessivo de sua força” e que “o direito à liberdade de expressão e ao protesto dos povos indígenas guaranis seja devidamente respeitado em manifestações que futuramente venham a ocorrer”.
Os indígenas Guarani foram reprimidos com gás lacrimogêneo, jatos de água e tiros de balas de borracha pela Polícia Militar de São Paulo (PMSP) enquanto protestavam contra a aprovação do Projeto de Lei (PL) 490/07 que estabelece a tese do Marco Temporal.
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Edição: Daniel Lamir