As horas que antecederam a votação na Câmara dos Deputados da Medida Provisória que aprovou a reestruturação ministerial promovida por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no início de seu governo foram marcadas pela notícia de que o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), tinha liberado para votação um recurso da defesa do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), em julgamento sobre corrupção passiva. E surgiram dúvidas: o que está em jogo?
O caso é antigo. A história tem, na verdade, mais de dez anos. Tudo começou em 2012, quando o assessor parlamentar Jaymerson José Gomes de Amorim foi pego com R$ 106 mil em espécie quando tentava embarcar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. As passagens tinham sido pagas por Lira.
Com o avanço das investigações sobre o caso, Lira foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundo a denúncia, o dinheiro seria entregue ao deputado, que na época era líder do PP na Câmara, em troca de apoio político para manutenção no cargo do então presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), Francisco Colombo.
O pedido de recurso apresentado pela defesa de Lira aponta supostas inconsistências e fragilidades na denúncia, especialmente pelo fato de ela ter se baseado, principalmente, em uma delação. A PGR, inclusive, mudou o entendimento sobre o caso após mudanças na legislação como "pacote anticrime" do ex-ministro da Justiça Sergio Moro e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em 2019, o caso chegou ao Supremo e foi designado para a Primeira Turma, da qual Toffoli fazia parte na época. Antes do pedido de vista, em 2020, quatro ministros votaram a favor do acolhimento da denúncia, o que garantia formação de maioria: Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber, além do relator Marco Aurélio Mello (hoje aposentado).
O que acontece se Lira se tornar réu?
No primeiro momento, o mais provável é que não aconteça nada. Segundo entendimento do STF, pessoas que estão na linha sucessória do presidente da República (e isso inclui o presidente da Câmara dos Deputados, que assume em caso de impedimento do presidente e de seu vice) estão impossibilitadas de "de exercer, em caráter interino, a Chefia do Poder Executivo da União, caso ostentem a posição de réus criminais". Porém, isso não se aplica ao cargo que ocupam.
Simplificando: se Lira se tornar réu, ele seguirá no comando da Câmara, mas deixará de estar apto a assumir a presidência da República caso Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) estejam impedidos por qualquer motivo. Nesse caso, quem assumiria, em tese, seria o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD). Isso tudo pode mudar, porém, caso haja alteração nos entendimentos jurídicos do Supremo.
Caso seja condenado, porém, Lira perderá o mandato (e, por consequência natural, deixará de ser presidente da Câmara). A condenação, porém, pode nunca acontecer. E, caso aconteça, levará um longo prazo para que o processo transcorra na Justiça. Vale lembrar que o STF está decidindo apenas se ele se torna ou não réu, e não está deliberando sobre eventual condenação.
"Perdidos de vista" foram suspensos
A liberação do julgamento sobre o caso de Arthur Lira tem relação direta com uma mudança no Regimento Interno do Supremo, publicada em 19 de janeiro deste ano, determinando prazo de 90 dias para os pedidos de vista (instrumento pelo qual um dos juízes pede a interrupção do julgamento para análise mais detalhada do caso).
Até a mudança anunciada em janeiro, não havia prazo para os pedidos de vista (e por isso o julgamento sobre Lira estava interrompido há tanto tempo, por exemplo). A alteração dá fim aos pedidos sem prazo, que poderiam se arrastar por décadas (e que chegaram a ser apelidados de "perdidos de vista").
A partir da mudança do Regimento, todos os casos paralisados por pedidos de vista com prazo superior a 90 dias voltarão automaticamente à pauta. A decisão tem efeito em relação aos pedidos feitos anteriormente. O prazo começou a contar quando foi publicada a mudança. Nesse caso, há entendimentos divergentes sobre a liberação automática dos casos mais antigos.
No Judiciário, a contagem sempre considera os dias úteis. A partir de 19 de janeiro, esse prazo seria completado na última quarta-feira, dia 31 de maio. Porém, há quem considere que a contagem começou em 1º de fevereiro, quando teve início o ano Judiciário de 2023. Assim, o prazo esgotaria no próximo dia 19 de junho. O fato é que todos os processos que estavam sob pedidos de vista no Supremo antes de 19 de janeiro voltarão à pauta este mês.
Edição: Nicolau Soares