Oficiais do Departamento de Polícia de Atlanta (APD) e do Departamento de Investigações da Geórgia (GBI) invadiram a casa de um ativista na cidade de Atlanta, no sul dos Estados Unidos, na manhã de 31 de maio. Durante a operação, os policiais prenderam três membros do Atlanta Solidarity Fund, uma organização sem fins lucrativos que oferece “apoio a pessoas presas em protestos ou processadas por envolvimento com o movimento” por meio de apoio e acompanhamento jurídico, fundos de fiança, e ajudando a fornecer acesso à representação jurídica.
Os três organizadores presos, Marlon Kautz, Adele Maclean e Savannah Patterson, foram autuados na Prisão do Condado de DeKalb, onde foram acusados de lavagem de dinheiro e fraude de caridade.
O mandado de prisão dos ativistas alega que eles estavam “enganando contribuintes ao usarem fundos coletados por meio da Rede para Comunidades Fortes (NFSC) registrada no estado da Geórgia 501c(3) para financiar as ações em parte do Defend the Atlanta Forest (DTAF), um grupo classificado pelo Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos como extremistas domésticos violentos”.
A acusação feita aos ativistas do fundo de solidariedade está relacionada à luta em andamento em Atlanta contra a construção da “Cop City”, um centro de treinamento policial de “guerra urbana” de US$ 90 milhões a ser construído em mais de 40 hectares de terras públicas. Não apenas dezenas de hectares da floresta de South River em Atlanta seriam derrubados para construir o centro de treinamento, mas a instalação busca ainda servir como um espaço para as forças policiais de todo o país praticarem táticas de repressão e treinarem usando armas de fogo, gás lacrimogêneo, helicópteros e dispositivos explosivos.
“As apostas não poderiam ser maiores”
As prisões dos ativistas do fundo de fiança foram recebidas com indignação generalizada por parte de movimentos e ativistas progressistas nos Estados Unidos, com muitos levantando o alarme sobre quais são as implicações mais amplas para os movimentos como um todo.
O diretor nacional da ANSWER Coalition, Brian Becker, disse ao Peoples Dispatch que “essas acusações são uma violação clara e óbvia dos direitos constitucionais fundamentais à liberdade de expressão. Se as forças policiais na Geórgia forem bem-sucedidas em seu ataque atroz contra os dissidentes, isso se tornará um modelo para o aumento da repressão pelas forças policiais em todo o país. As apostas não poderiam ser maiores.”
Mariah Parker, uma organizadora trabalhista de Atlanta, artista de hip-hop e defensora da floresta no movimento para parar a construção da “Cop City” disse ao Peoples Dispatch que a prisão dos organizadores poderia ter “implicações realmente sombrias para o que o Departamento de Polícia de Atlanta está tentando e esperando aperfeiçoar aqui em Atlanta, para depois exportar para todo o país, no que diz respeito à criminalização do financiamento coletivo para ajudar a proteger o direito de protesto das pessoas.”
Parker acrescentou que a repressão à arrecadação de fundos de solidariedade pode se estender a outras atividades que estão sendo enfrentadas com repressão política, como fundos de acesso ao aborto e apoio a migrantes em busca de asilo.
Bezaleel Júpiter, membro do Partido para o Socialismo e Libertação em Atlanta, em conversa com o Peoples Dispatch afirmou que “eles estão criminalizando o movimento ao criminalizar uma forma não violenta de organização… se você foi preso apenas por organizar um fundo de caridade, o que vem logo em seguida?"
Resistência à “Cop City”
Desde que o projeto foi anunciado publicamente em junho de 2021, ele tem sido recebido com uma grande reação pública. Uma ampla coalizão de ambientalistas, ativistas contra a brutalidade policial, organizadores comunitários e outros grupos progressistas e de esquerda têm organizado diversas campanhas e ações para expressar sua oposição ao projeto e impedi-lo de avançar.
Enquanto o projeto estava sendo discutido na Câmara Municipal em 2021, os residentes de Atlanta convocaram comentários públicos para que cidadãos expressassem suas preocupações sobre o projeto e exigissem que seus representantes se opusessem a ele. Antes da votação do Conselho da Cidade de Atlanta em 6 de setembro de 2021, os residentes convocaram mais de 17 horas para comentários públicos, com 70% dos 1.166 comentários expressando oposição. Apesar disso, o conselho concluiu a votação em 10-4 a favor da construção da instalação. Eles devem votar se devem ou não financiar o projeto na segunda-feira, 5 de junho.
Outro local de luta foi a própria floresta onde a “Cop City” será construída. Logo após o anúncio do projeto, ativistas do movimento Defend the Atlanta Forest começaram a ocupar partes da floresta em um acampamento de protesto permanente. O acampamento tem sido fortemente alvo de forças do estado. Em 5 de março, durante um festival de música organizado no local, a polícia realizou uma batida policial e deteve 35 pessoas, das quais prendeu 23, acusadas de terrorismo doméstico. A polícia alegou que os acampados teriam vandalizado o canteiro de obras da “Cop City” e praticado violência contra a polícia.
Em dezembro de 2022, cinco ativistas também foram presos no acampamento e acusados de terrorismo doméstico, agressão agravada e outros crimes após terem jogado pedras e garrafas no canteiro de obras. Da mesma forma, após um protesto no centro de Atlanta em 21 de janeiro de 2023, que viu atos de destruição de propriedade, seis manifestantes foram presos e acusados de terrorismo doméstico, incêndio criminoso de primeiro grau, danos criminais e interferência em propriedade do governo.
Dias antes, em 18 de janeiro, durante uma operação fortemente militarizada no acampamento de protesto, a polícia atirou e matou Manuel “Tortuguita” Terán, de 26 anos. A polícia alegou que o jovem ativista atirou e atingiu um policial estadual, mas as imagens da câmera corporal do uniforme do policial divulgadas indicaram que o oficial pode ter sido baleado por um colega da polícia. O corpo do jovem ativista tinha pelo menos 57 ferimentos de bala.
Os defensores da floresta também foram citados em um boletim do National Terrorism Advisory System em 24 de maio de 2023, que afirmava: “Desde a primavera de 2022, supostos DVEs (extremistas domésticos violentos) na Geórgia têm incidado extremismo violento anarquista, direitos dos animais/extremismo violento ambiental, e sentimento anti-aplicação da lei para justificar a atividade criminosa em oposição a um centro de treinamento de segurança pública planejado em Atlanta”.
Criminalizando a solidariedade
O Fundo de Solidariedade de Atlanta tem desempenhado um papel fundamental na resposta aos altos níveis de repressão violenta e feroz contra os manifestantes que se opõem à “Cop City”. A organização tem ampliado seus esforços de arrecadação de fundos nos últimos meses para apoiar os manifestantes presos com sua fiança e necessidades legais, e tem ajudado a organizar uma resposta legal às ações irregulares realizadas por agentes da lei. A doação para o fundo é mencionada nos sites e páginas de redes sociais das principais organizações e ativistas que fazem parte da luta contra a “Cop City” como uma forma de as pessoas agirem e apoiarem a luta.
O Fundo também apoiou ativamente aqueles que foram presos durante os protestos de 2020 contra a violência racista, desencadeados pelo assassinato de George Floyd em Minneapolis em 25 de maio. Os protestos se intensificaram em Atlanta após o assassinato de Rayshard Brooks, de 27 anos, em 12 de junho, e centenas de manifestantes foram detidos e presos durante as semanas de protesto.
Em um comunicado divulgado no site do Fundo em 23 de janeiro de 2023 condenando a prisão de ativistas, se lê: “A repressão aumentou dramaticamente nos últimos meses, à medida que o governo local se move para impulsionar o desenvolvimento da Cop City, apesar de toda a oposição pública. A retórica divisiva e violenta de rotular os manifestantes de justiça ambiental e racial como ‘terroristas domésticos’ é um precedente perigoso, projetado para sufocar a oposição pública e desencorajar os protestos de qualquer pessoa preocupada com a militarização da polícia e as mudanças climáticas.”
A declaração continua: “Este é o 'efeito inibidor' antidemocrático em ação: criar um clima político no qual os cidadãos tenham muito medo de exercer seu direito de se manifestar contra a injustiça, de se organizar e de agir... Devemos rejeitar veementemente esse nível extremo de repressão aqui e agora, antes que isso se torne a norma para ativistas em todos os movimentos”.
Parker, que tem sido uma voz ativa e organizadora na luta contra a “Cop City” e a repressão enfrentada pelos ativistas, enfatizou: “É muito importante para nós aqui em Atlanta garantirmos que as autoridades, o Departamento de Investigações da Geórgia, o Departamento de Polícia de Atlanta e o procurador-geral saibam que não seremos intimidados por essas táticas e que isso não é algo que eles possam continuar a usar contra pessoas em outros lugares para tentar esmagar seus movimentos."