As celebrações e festas religiosas pertencem ao patrimônio histórico de muitas comunidades em Minas Gerais. São também manifestações de identidade cultural e organização social desde a origem das vilas e distritos. Em uma perspectiva histórica, uma das heranças coloniais é a disputa entre a fé e a mineração predatória que assola o estado.
Na comunidade de Bento Rodrigues, em Mariana, a população resiste diante da exploração minerária e suas violentas consequências. Localizada na parte alta do subdistrito, a Capela das Mercês é uma das poucas estruturas que se mantém de pé após o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, que devastou o território em 2015.
Desde a remoção compulsória do território de origem, os moradores não têm mais as mesmas condições anteriores de cuidar da capela, patrimônio do século 18. Ainda assim, a comunidade se dedica aos finais de semana para a limpeza do local e segue celebrando missas, sepultando entes queridos no cemitério ao lado e mantendo vivas suas tradições.
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Diante das limitações físicas e estruturais impostas pelo deslocamento forçado, cabe à Fundação Renova, instituição responsável pela reparação integral do crime, realizar as obras de restauração e manutenção do patrimônio. Isso, até o momento, não aconteceu. A comunidade teme o futuro de destruição de cada parte que compõe a estrutura física da capela, devido ao descaso e à falta de reparo. O templo é testemunha da história da comunidade, espaço que ampara e acolhe muitas gerações.
Nos últimos anos, a construção está se deteriorando, deixando a edificação comprometida. Para que isso não aconteça, de acordo com a Ana Paula Ferreira, assessora técnica da equipe de patrimônio da Cáritas, organização que acompanha os atingidos da região, "é necessário viabilizar as obras de restauro antes da próxima temporada de chuvas, período em que os danos se agravam e há grande chance de que a estrutura ceda", afirma.
Enquanto há fé, há luta: um ato religioso
No dia 27 de maio, a comissão de atingidos de Bento Rodrigues, com apoio da Cáritas, realizou um ato após a celebração da missa com o padre Marcelo Santiago para reivindicar a necessidade do início das obras de restauração da Capela das Mercês. De acordo com os relatos e com a vistoria técnica realizada pela entidade, a situação é grave.
Mesmo com os tapumes que cercam a área da igreja, o processo de restauração não foi iniciado, sendo apenas sinalizado pela Fundação Renova. Em reunião realizada no dia 24 de maio deste ano, a Fundação Renova indicou a necessidade de um prazo de 180 dias para a licitação e contratação da empresa que assumirá as obras de restauro.
O Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado em 2016, definiu, entre os 22 programas socioeconômicos a serem criados pela Fundação Renova, a diretriz de Preservação da Memória Histórica, Cultural e Artística. Assim, é assegurado o restauro dos templos religiosos, para além de outros bens que fazem parte do patrimônio coletivo, tombados ou inventariados pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha).
Porém, a morosidade e descaso da Fundação Renova no processo de reparação são perceptíveis no território, considerando o caso da Capela das Mercês. Além disso, as pessoas atingidas demonstram preocupação com a exploração de minério próximo a Bento Rodrigues, onde continuam ocorrendo detonações de explosivos para a exploração de minérios pela empresa Vale.
Durante o ato religioso, moradores de Bento Rodrigues relataram que antes do rompimento a própria comunidade organizava e realizava as manutenções necessárias com recursos e mão de obra próprios. Manoel Marcos Muniz destaca que a preservação da Capela das Mercês é também a preservação das pessoas que ajudaram a constituir o distrito.
"Eu acredito que os escravos sofreram para construir igrejas, muros, aqui no Bento. Então, vejo como muito importante a questão da preservação nesse sentido, porque tem a história de Bento Rodrigues", relata.
Em homenagem aos que fizeram parte da história da comunidade, pessoas que cuidaram por muitos anos da capela em vida, e hoje são falecidos, foram mencionados no ato. Por exemplo, Amélia Campidelle Quintão, Laudelina dos Reis Nery, Dercira da Conceição da Silva, Manoel Muniz, André Campidelle, Maria da Conceição Muniz, Luis Cardoso da Silva, Pio Nery, João Artencio, Antônio André, José Sobreira, Suely Sobreira, Carlos Antônio dos Santos, Ana Felipe Campidelle, Lúcio Mauro Santos e Eurico dos Santos.
A comunidade fez presença dessas pessoas a partir da lembrança pelos anos de dedicação ao espaço. Ao final do ato, todas as pessoas presentes uniram-se em um grande abraço em volta da Capela das Mercês, na esperança de que a manutenção comece logo.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Larissa Costa