Os recentes compromissos internacionais do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, marcaram o retorno do país a instâncias multilaterais das quais há anos estava afastado. Além de ganhar destaque internacional na imprensa, como por exemplo, durante sua visita ao Brasil, a presença de Maduro em tais eventos contrasta com o isolamento diplomático pelo qual a Venezuela passou nos últimos anos, agravado principalmente pelo bloqueio imposto pelos EUA e pela presença de governos de direita na América do Sul.
Nos últimos 20 dias, Maduro visitou Brasília para se reunir com o presidente Lula, participou da 1ª reunião de mandatários sul-americanos em sete anos e manifestou o desejo de levar a Venezuela ao Brics. Além disso, o chavista compareceu à posse do presidente turco reeleito, Racep Tayip Erdogan, e visitou a Arábia Saudita, onde assinou acordos de cooperação.
"A desculpa que eles tinham para bloquear a Venezuela, para nos isolar, era fundamentalmente a figura do presidente interino, essa farsa dos Estados Unidos e da comunidade europeia". Essa é a opinião de Juan Carlos Valdez, advogado venezuelano e analista internacional.
Ao Brasil de Fato, ele afirma que, com o fim do "governo interino" do ex-deputado Juan Guaidó, o caminho para reinserir a Venezuela em espaços de diálogo globais está mais aberto.
"A estratégia de Guaidó já está caindo como um castelo de cartas, de maneira que a Venezuela, sem dúvidas, está transitando em um caminho de reacomodação no planeta, porque está ocorrendo uma reacomodação a nível mundial, com os países do Brics jogando um papel fundamental nisso", diz.
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Durante sua passagem pelo Brasil, Maduro assinou acordos de cooperação com Lula e agradeceu o mandatário brasileiro pela recepção. Em meio a críticas, o petista disse que o recepção a Maduro marcava o pleno restabelecimento de relações com o país vizinho que, segundo o presidente, sofre com as sanções impostas pelos EUA e com uma narrativa negativa criada nos últimos anos.
Venezuela no Brics?
Foi também no Brasil que Maduro expressou as intenções da Venezuela de ingressar no Brics, bloco econômico e comercial formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
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"Os Brics se transformaram em um grande imã de todos os países que querem um mundo de paz, mais de 30 países querem entrar nos Brics. Agora, no Banco dos Brics está uma grande brasileira, a presidenta Dilma Rousseff. [...] Se nos perguntarem, diremos que sim, queremos ser parte dos Brics, de maneira modesta, acompanhar a construção da arquitetura desse novo mundo que está nascendo", disse o presidente venezuelano na ocasião.
A incorporação de novos países depende de todos os membros do bloco, mas Lula sinalizou positivamente ao ingresso do vizinho. "Nós vamos discutir, porque não depende só da vontade do Brasil, então se houver um pedido oficial, nós vamos discutir. Se você perguntar minha vontade, eu digo: eu sou favorável", disse.
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Desde o início da crise econômica e principalmente após o endurecimento das sanções impostas por Washington, a Venezuela enfrenta uma série de obstáculos para fazer comércio com outros países.
A falta de dólares, causada pelo bloqueio contra a indústria petroleira, e as limitações de transações financeiras no exterior são alguns impeditivos ao comércio venezuelano, que afetam não só a capacidade de exportação, mas também causam perturbações cambiais internas em um país que já sofre há anos um quadro grave de inflação.
A entrada no Brics ou, até mesmo, no Banco do Brics, como é chamado o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), poderia ajudar o país a driblar esses impasses. Especialistas, no entanto, veem com ceticismo a entrada da Venezuela no bloco.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o economista Paulo Nogueira Batista Jr, ex-vice-presidente do Banco do Brics, disse que a entrada de novos países como a Venezuela seria um processo "difícil e demorado", o que faria com que fosse mais vantajoso para Caracas se concentrar em voltar para blocos regionais como a Unasul e o Mercosul.
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"Lula disse corretamente, tem que haver consenso entre os cinco membros do Brics, e a Venezuela nunca entraria isoladamente, entraria com outros países. Eu acho muito importante não dar um passo maior do que as pernas. Brics, Banco dos Brics, são passos maiores do que as pernas, mas tirar os indicados do Guaidó que estão no BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], voltar ao Mercosul, resolver a dívida com o BNDES, são coisas concretas que estão ao alcance do Brasil e da Venezuela", disse.
O economista ainda afirmou que a reaproximação entre os dois países promovida pelo governo Lula deve auxiliar Caracas e o governo Maduro nessa reinserção diplomática, apesar de considerar "um longo caminho a percorrer".
"O Brasil, com Lula, pode ajudar a levantar as sanções gradualmente, a trazer a Venezuela para dentro do Mercosul, a retomar a presença da Venezuela na Unasul, mas é um processo de construção, que o Brasil poderá a ajudar a levar adiante", disse.
Visita à Arábia Saudita, parceira dos EUA
Na última segunda-feira (05), Maduro também visitou a Arábia Saudita, logo após comparecer à posse de Erdogan na Turquia. O presidente se reuniu com o príncipe Mohammed bin Salman e sua comitiva assinou acordos de cooperação com o país.
A aproximação entre Venezuela e Arábia Saudita, dois dos maiores produtores de petróleo do mundo, também pode ser analisada como parte da reconfiguração geopolítica de alguns países do sul, segundo analistas consultados pelo Brasil de Fato.
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Muito próximos dos EUA, os sauditas vem aplicando algumas mudanças na condução de sua política externa e se aproximando de países que possuem atritos com Washington, como é o caso da Venezuela.
Em março, o país retomou relações diplomáticas com o Irã após sete anos de rompimento, em negociações que foram mediadas pela China. Além disso, Riad também se reaproximou do governo sírio de Bashar al-Assad, que participou de uma conferência da Liga Árabe no mês de maio a convite da diplomacia saudita.
Edição: Patrícia de Matos