Comida de Verdade

O que está por trás de um anúncio de pequi? Conferimos na Feira Nacional da Reforma Agrária

A partir das palavras do feirante Valtenir Gomes Junior, o fruto foi analisado do cultivo ao consumo

Ouça o áudio:

Valtenir, do assentamento Che Guevara, em Piranhas (GO), expôs pequi em conserva durante a IV Feira Nacional da Reforma Agrária, em São Paulo, durante o mês de maio - Marcelo Cruz - Brasil de Fato
O principal fator dele são os ácidos graxos que são as 'gorduras boas'

Quem andou pela 4ª edição da Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada em maio, na capital paulista, adentrou um espaço cheio de cheiros e cores. Entre os objetivos, cada participante conheceu um pouco da diversidade de culturas e nutrientes de cada pedacinho do Brasil.

Em uma das barracas era possível ouvir o feirante Valtenir Gomes Júnior, do assentamento Che Guevara, de Piranhas (GO), anunciar o pequi em conserva produzido em terras goianas.  
 

Olha o pequi! o melhor pequi tá aqui hein, o pequi de Goiás! 

Nessa interação popular, cada pessoa conhecia a história do fruto e do local em que ele é produzido, ao contrário da lógica das grandes redes de supermercado.

"Lá [no assentamento] produzimos pequi, apesar de sofremos com o agronegócio, com o desmate. Ele é um fruto do cerrado, um fruto nativo. [Disponibilizamos] totalmente in natura e não vai nada de conservante. Nós produzimos sem agrotóxico", apresenta o assentado, entre conversas com consumidores com direito a degustação.  

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Características e cuidado

Também de Goiás, a nutricionista Gabriela Teles destaca que o "pequi tem um sabor e um cheiro bem peculiar, muito característico. Ele é um fruto e tem essa textura de fruto, sendo um produto mais oleoso com sabor mais forte". 

Assim como o feirante Valtenir, Gabriela alerta sobre os cuidados com quem ainda não tem o costume de consumir este fruto, já que "tem a questão dos espinhos que, para quem come pela primeira vez, deve se tomar cuidado".  


O pequi é rico em nutrientes e mantidos pela cultura das famílias agricultoras / Nivaldo Ferr - Emater GO

Em conserva

A produção em conserva, disponibilizada pela produção do Che Guevara, dispensa os cuidados com os espinhos. 

"Para fazermos a conserva, não podemos pegar o pequi no pé. A ciência do pequi é colher o pequi no chão, esperar ele cair, porque, caso contrário, ele amarga e a cor fica feia", explica Valtenir.

Além do gosto, da aparência e da comodidade no consumo, esse processo não abre mão da proposta de alimentação saudável. 

"O fruto tem um caroço, e em volta desse caroço ele tem uma polpa. Pegamos uma navalha e cortamos para fazer os 'bifes' do pequi", salienta ao confirmar que o produto não possui nenhum ingrediente nocivo ao organismo humano.

Delay no reconhecimento

Apesar dos muitos benefícios, Gabriela ressalta que a cientificidade demorou a comprovar os saberes defendidos pelas famílias agricultoras. 

"O pequi foi descoberto alguns anos pela ciência e até pela indústria alimentícia. Acho que daqui a pouco tempo vamos ter até cosméticos e  suplemento [à base de pequi], porque ele é extremamente rico", afirma a nutricionista.  

"O principal fator dele são os ácidos graxos que são as 'gorduras boas', e que muitas pessoas às vezes não comem que por medo disso, por medo dessa tal gordura. De fato o pequi tem bastante, mas isso é uma coisa boa, acaba sendo muito anti-inflamatório e hepato-protetor. Ou seja, protetor do fígado. Tem alguns estudos relacionando com prevenção de câncer e como anti-inflamatório. E sem contar que é rico em fibra e vitamina e, zinco, magnésio que são todos minerais e vitaminas que atuam no funcionamento adequado do nosso organismo", defende Gabriela.

Dicas e resistência

Além de vender, Valtenir dá dicas de consumo do pequi.  

"Tem várias formas de consumir. Tem gente que faz doce, conserva, no meio do arroz - que é o arroz com pequi de Goiás, o famoso. É o 'ouro' nosso do cerrado, para fazer com frango caipira", explica.  

O pequi ganha cada vez mais espaço no gosto da população. Em diferentes estados é mantido por uma herança cultural da agricultura familiar.

Assim, Valtenir compara a disponibilidade desse alimento saudável nas feiras da reforma agrária ou agroecológicas com a perspectiva contrária das grandes corporações do setor alimentício.  

"O agronegócio não tá preocupado com quem vai consumir e o que tá consumindo, se é um alimento saudável. O setor só quer saber da venda. Uma diferença do nosso produto da reforma agrária é porque não tem trabalho escravo". 

Por essa e por outras vale a dica de abrir bem os ouvidos para as expressividades de cada feira popular. Chamar o pequi de 'ouro' do cerrado para feirante, por exemplo, não é apenas palavras ao ar ou marketing duvidoso de grandes corporações do setor alimentício.

Edição: Daniel Lamir