Railson Oliveira é um torcedor fanático do Corinthians, daqueles que não perdem nem um jogo. Mas, nesta quarta-feira (14), sem medo de parecer incoerente, ele vai torcer por uma punição ao clube. É que o Timão será julgado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) após gritos homofóbicos registrados no estádio do clube um mês atrás em partida contra o São Paulo.
Fundador e presidente do coletivo Fiel LGBT, Railson lamenta que episódios homofóbicos aconteçam no estádio de seu clube, mas também "por todo lado" no meio do futebol. O coletivo, que foi criticado após nota cobrando "respeito e igualdade" após o caso, acredita que é necessário que os clubes respondam de maneira contundente para que o ambiente do futebol mude e se torne mais receptivo.
"Quando a gente divulgou a nota, muitas pessoas estavam falando que a gente não era corintiano, já que defendia uma punição para o clube e que 'corintiano não torce para prejudicar'. Mas a gente acha que só assim mesmo, tendo uma punição de verdade, bem dura, para ver se não acontece mais esse tipo de discriminação", afirmou ao Brasil de Fato.
Como bem disse o torcedor, os episódios não são exclusividade da arena corintiana. Levantamento divulgado recentemente pelo coletivo Canarinhos LGBTQ, articulação entre torcidas LGBTQIAP+ de diferentes clubes brasileiros, mostrou aumento de 76% nos episódios de discriminação por orientação sexual no futebol brasileiro entre 2021 e 2022.
Em entrevista ao Brasil de Fato na véspera do julgamento do Corinthians, o fundador e diretor do coletivo, Onã Rudá, disse que não tinha dúvidas de que o clube seria condenado pelo episódio de homofobia na partida contra o São Paulo. Entretanto, destacou que a punição, mais uma vez, deve seguir o padrão para casos do tipo: o clube seria multado, sem consequências posteriores.
A legislação atual prevê que o clube punido nesses casos até pode perder pontos ou mandos de campo. Criador também do coletivo LGBTricolor, que reúne torcedores e torcedoras do Bahia, Rudá defende que cada caso deva ser avaliado pelo STJD de acordo com critérios técnicos, mas entende que essas medidas, em casos com o do Corinthians, não devam ser acionadas no primeiro momento.
"O mais correto era o clube ser punido, multado, e essa multa ser revertida numa ação direta do clube em ações de combate à LGBTfobia no futebol. 'Olha só, Corinthians, vocês vão pegar R$ 50 mil e vão investir, prestar conta pra gente, como foi esse investimento. A gente quer curso, material didático, torcida envolvida nisso, elenco e diretoria", sugeriu.
Para Rudá, é necessário um processo educativo e pedagógico longo para que o ambiente do futebol seja mais receptivo, tanto a torcedores quanto a atletas, para que possam "sair do armário" sem receio de perder a carreira. Apesar do aumento dos casos registrados pelo coletivo Canarinhos LGBTQ, ele vê mudanças positivas no cenário, e, para avanços mais consistentes, cobra mais participação dos clubes, entidades e pessoas ligadas ao futebol.
"O futebol não é uma coisa em que se 'aperta um botão e vai'. É composto por centenas de clubes, de federações, justiça esportiva, torcida, clubes amadores, pessoas que não vão ao estádio. Futebol é a sociedade brasileira", disse.
Railson Oliveira também vê avanços. Apesar de entender que a situação atual ainda está "longe do ideal", e que "não é do dia para a noite" que a mentalidade dos torcedores vai mudar, o corintiano destaca que muitos clubes passaram a se posicionar em relação à homofobia. Há espaço para mais.
"Essas notas de redes sociais são importantes, mas a partir do momento em que o clube começar a fazer ações concretas dentro do estádio, o torcedor vai vai ficar mais engajado e eu acredito que a partir daí a torcida vai vai começar a respeitar e a gente não vai acabar totalmente, mas vai diminuir bastante", concluiu.
Edição: Rodrigo Durão Coelho