Todo 13 de junho, o amor e a devoção movimentam casas e templos religiosos pelo mundo. No Brasil, o padroeiro dos casamentos, muito conhecido por dar aquela forcinha a quem deseja encontrar um amor, Santo Antônio é um dos mais populares do país. Nesta data, muitas igrejas católicas distribuem pão aos fiéis, gesto inspirado na ação de Santo Antônio que distribuía e compartilhava os seus bens com os outros.
Com o tempo, a fé da religião católica se misturou à cultura popular e muitas simpatias foram criadas e são comuns até hoje. Desde colocar a imagem do santo de cabeça virada para baixo em um copo com água, às mais variadas formas de deixá-lo de “castigo” até que o tão sonhado casamento se realize.
Essa tradição secular tem um sentido todo especial para Sálua Chequer, professora, articuladora cultural, amante da cultura popular e assumidamente devota de Toinho, como se refere ao santo, carinhosamente. A história da professora é a de muitos baianos e baianas que, embora não sejam católicos fervorosos, têm um apego cultural e de fé ao santo. O apreço, devoção e uma relação íntima e encantada de Sálua com Santo Antônio nasce ainda na infância, nas suas vivências familiares na cidade de Ibirataia, sul da Bahia.
:: Trezena de Santo Antônio faz parte de festejos juninos e segue viva na Bahia ::
“Quando criança, minha mãe me levava para uma reza em Ibirataia, na minha cidade. E eu achava aquilo fantástico. Era uma reza muito alegre, muito animada. A dona da casa, a Dona Zuleica, tocava sanfona e Deus, no meu imaginário infantil, que estava em todo lugar, sabendo de tudo, nessa reza imaginei que aquele santo de alguma forma era Deus. Um Deus alegre, festivo. Eu me identifiquei muito”, relembra Sálua que brilha os olhos e fala sorrindo toda vez que se refere ao “seu Deus”.
Sálua não se diz uma pessoa religiosa, mas tenta traduzir o inexplicável, esse amor tão profundo por Santo Antônio. Mãe de três filhos, todos têm o nome de santos juninos, Pedro, João e Antônio. Ninguém nasceu no dia de santo algum, mas ela queria nomes simples, representativos e como ela mesmo destaca, “cada um tem uma história para ter o seu nome”. Antônio, como não podia deixar de ser, é uma homenagem ao seu santo devoto.
Tudo para homenagear e prestigiar o santo que, na tradição católica, foi franciscano, amava os animais e a natureza. “Eu não sou beata. Eu não sou de ficar frequentando a igreja, mas Santo Antônio é uma presença muito forte e determinante na minha vida. É um companheiro, é uma grande companhia. A gente conversa. Às vezes, nem conversa, mas ele me entende. É algo que eu tenho muito forte dentro de mim”, declara Chequer.
Esse encantamento que começou na infância se repete na vida dela há 60 anos. “Lá no meu interior, minha avó já tinha devoção a Santo Antônio. Tudo que ela tinha de complicação na vida, ela recorria a ele e sempre conseguia”, relembra Sálua para reforçar que essa tradição de família, assumida para si, tem relação com a fé praticada por suas mulheres mais velhas.
Trezenas de Sálua
No final da década de 70, já adulta, Chequer veio morar em Salvador, no bairro do Garcia. E como na vida não existe coincidência, só providência, a dona que tinha levado quase tudo do apartamento alugado por ela deixa um único item para buscar depois. “A única coisa que ela deixou foi a imagem de Santo Antônio que tinha sido da mãe dela e que ela viria buscar depois. Aí eu disse, ô, dona Olga se a senhora me der, eu vou cuidar enquanto eu viver e vou rezar para Santo Antônio”, declara a professora que nos conta, impressionada, como tudo começou.
Depois desse compromisso assumido com a Dona Olga, Sálua, há quatro décadas, abre as portas de sua casa para rezar com as pessoas. Ela tem infinitas memórias bonitas de encontros e momentos especiais promovidos pela realização dos treze dias de reza. “A trezena na minha casa começou há 40 anos nesse apartamento onde encontrei a imagem dele. Veio aquela lembrança muito viva. Eu comecei a me lembrar de algumas músicas e tive ajuda de muitas pessoas”, afirma a devota. Nessa força coletiva e colaborativa de muita gente tem entre os guardados raros, um caderno com as cantigas para o santo, em latim.
“Sempre rezei de porta aberta, e as pessoas foram chegando. Depois, eu comprei outro apartamento na mesma rua, continuei rezando de porta aberta e as pessoas foram chegando e trazendo mais alguém. Todo mundo tinha uma memória relacionada a Santo Antônio, no sentido de que rezava com a avó, a mãe, a tia ou a vizinha”, comenta Sálua emocionada e otimista. “Tomara que alguém siga e dê continuidade quanto eu não estiver mais aqui”.
Os preparativos começam muito antes de junho. Tudo é pensado nos mínimos detalhes. “Eu fico num estado de felicidade imensa. Eu sempre digo, meu coração dá cabriola de alegria. Quando passa o carnaval já começo a me preparar para arrumar minha casa”, comenta ao dizer como a sala vai ganhando nova arrumação, como os móveis são reposicionados para caber o tanto de gente que chega a cada ano.
“Tem dias que eu acho que não vem ninguém, aí aparecem 30 pessoas. Quando vai se aproximando o final da trezena, no dia 13, eu já recebi mais de 100 pessoas dentro do apartamento. Eu já hospedei a banda de pífano de Caruaru. Eu faço procissão algum dia da trezena. Eu saio da minha casa. A gente desfila, a gente anda pela rua. E eu adoro. Adoro, sabe?”, fala Sálua com um entusiasmo contagiante e com uma alegria que se multiplica em que a escuta.
Santos juninos na cultura popular
O mês de junho é considerado o mês dos santos católicos, pois reúne a festa de três deles: Santo Antônio, São João e São Pedro. Na Bahia, como em todo nordeste, a presença dos santos juninos é carregada de muitos significados. Sálua explica que é uma tradição cultural que vem da Península Ibérica. Na Espanha, se comemora muito São João e Santo Antônio também, e há uma relação forte desses santos com o fogo, característica que o Brasil incorporou e está presente na fogueira, nos fogos e nas espadas.
“Uma das coisas mais bonita é que essas celebrações ganharam características bem nossas. Do culto à fartura da agricultura a uma festa com a cara da mistura do Brasil. Os povos de África, os povos originários, os europeus, os colonizadores”, declara Sálua que celebra as festas juninas também como a festa dos sentidos. “Tem som, tem cor, tem o tato do dançar junto. Até a decoração tem um cheiro, né?”, relembra a articuladora cultural que fala desses santos do lugar de quem viveu e vive todos os festejos.
Como ao longo do mês, a capital é trocada pelas vivências em pequenas cidades do interior, há nesse período festivo um outro convite que, para Chequer, é único, intransferível e muito pessoal. “Todo mundo se volta, literalmente, para o seu interior, no duplo sentido da palavra, nesse período da festa. É, sem sombra de dúvida, a festa maior do Brasil. Não é como o Carnaval. Ela existe em muitos lugares do país, não só nos grandes centros. Então, ela é a cara da cultura da nossa gente”, comemora.
A mestra em Arte, Educação e Cultura não nos deixa esquecer que santo, como João, é celebrado todo dia 24 de junho. Ele é quem dá nome à festa que ficou tão grande que já faz parte do calendário, em especial, no Nordeste, onde o recesso das aulas se dá justamente neste período. “Ninguém se lembra mais que São João é Santo. Todo mundo fala: ‘Você vai passar São João aonde?’, ‘Um feliz São João’”, comenta Sálua.
Santo Antônio, o preferido dela, é o santo, depois de Maria, de maior devoção popular no Brasil. “O que eu acho mais lindo é porque é uma devoção familiar. Tudo isso acontece nas casas de família. A Trezena não ganha a proporção da festa joanina, de São João. É uma celebração com outras características”, diz.
E antes do mês de junho ir embora, no dia 29, o São Pedro encerra o ciclo juninos de celebrações. São Pedro pescador, como é conhecido por ser protetor dos pescadores, aquele que tem o chaveiro do céu. “São muitas as histórias em torno dele também. E tudo tem significado. Pouca gente sabe, mas existe uma fogueira para cada tipo de santo”, afirma Chequer.
Para ela, a festa começa em 19 de março, quando acontece o plantio do milho no dia de São José, com cânticos e saída às ruas, no meio das roças, pedindo que chova para que haja uma colheita farta em junho. “É uma festa feita com o que a gente produz. Com a laranja, o milho, o jenipapo, a mandioca para fazer os beijus, o cuscuz. Tudo é feito com essa sabedoria popular”, declara.
Fonte: BdF Bahia
Edição: Gabriela Amorim