À FLOR DA PELE

Eleições na Argentina: ânimos acirrados na definição de regras para escolha de pré-candidatos

Tanto governistas quanto opositores viveram debates acalorados, que chegaram a ter ameaça de recurso à Justiça

São Paulo (SP) |
O pano de fundo dos debates políticos é uma crise profunda, com uma inflação que eleva o custo de vida - Luis Robayo/AFP

Os argentinos vão às urnas no dia 22 de outubro. Até lá, existe um longo e acirrado processo eleitoral a ser cumprido, cheio de etapas. Uma delas foi concluída na madrugada desta quinta-feira (15), com a inscrição das coalizões e a apresentação das regras que cada uma vai seguir. Após árduas negociações e trocas de farpas sobre tais regras, as duas principais forças eleitorais, a governista e a oposicionista, estão agora oficialmente registradas para disputar a presidência da República, entre outros cargos.

A inscrição da coalizão governista, que os argentinos chamam de oficialismo, teve um aspecto simples — mudar o nome de Frente de Todos para União pela Pátria — e outro complicado: chegar a um acordo sobre o piso de votos exigido nas prévias para quem quiser se apresentar como candidato à presidência.

O kirchnerismo, liderado pela ex-presidenta Cristina Kirchner e representado nas discussões por seu filho Máximo Kirchner, presidente do Partido Justicialista (PJ) em Buenos Aires, queria estipular um porcentual de 40% nas pesquisas de intenção de voto, o que desagradava o grupo do atual presidente Alberto Fernández e do ex-governador de Buenos Aires, Daniel Scioli, atual embaixador no Brasil. Ao final, ficou estabelecido um piso de 30% para quem quiser ser o candidato a presidente do grup— ainda assim, acima do percentual histórico desse grupo político, que é de 25%.

Faltando poucas horas para o fim do prazo, o PJ publicou em suas redes sociais um comunicado dizendo que aceitou reduzir o porcentual porque a ala de Fernández e Scioli ameaçou recorrer à Justiça. Criticou a importância dada pelos rivais à discussão sobre a entrada na lista de “um deputado nacional a mais ou a menos”. E acusou a existência de uma vitimização que acaba servindo para alimentar aqueles que “querem o desaparecimento do peronismo”, a “estigmatização” de Cristina Kirchner.

Sobre o empenho de Alberto Fernández nessa discussão, o comunicado do partido fez uma ironia: “Oxalá tivessem tido o mesmo empenho para recuperar o poder aquisitivo de cidadãos e cidadãs, na administração das reservas do Banco Central, no acordo com o Fundo Monetário Internacional, que ficou bem distante das bondades anunciadas pelo presidente numa manhã de janeiro de 2022”. É uma referência a um acordo firmado com o FMI por Fernández para renegociar a dívida contraída pelo ex-presidente Mauricio Macri.

O comunicado fala ainda em “problema de cartel, abundância de vaidades”. Scioli retrucou. Disse que “não se trata de um problema de cartel, mas de responsabilidade e compromisso com o país”. O importante, ele afirmou, é que haverá prévias, o que permitirá “ampliar a participação em nossa coalizão”. Cristina Kirchner deve se pronunciar num evento na noite desta quinta.

Sobre a mudança de nome, Diana Conti, do Partido da Vitória — um dos 22 que integram o oficialismo —, disse que a decisão não ter a ver com o atual presidente: “Sabemos que é uma gestão deficitária sobre a qual todas e todos temos responsabilidade”.

A partir do que foi revelado com o comunicado do PJ da capital, é de se esperar que até 24 de junho, dia da definição do nome, ou nomes, do oficialismo para o cargo de presidente, os debates e articulações serão intensos. Por mais que a coalizão que sustenta o governo esteja decidida a disputar as prévias, chamadas de PASO (leia mais abaixo), nada está decidido e não se descarta que a aliança encontre um candidato por outros meios.

Oposição

A outra principal força da disputa eleitoral é a coalizão opositora Juntos pela Mudança, composta por nove agremiações, que manteve seu nome e validou suas alianças. O grau de tensão também foi elevado, nesse caso entre ex-ministra Patricia Bullrich e o prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta. Larreta queria incluir o governador de Córdoba, Juan Schiaretti, e Bullrich tentava proteger seu potencial aliado, o deputado de ultradireita Javier Milei.

Para se ter uma ideia do grau de discordância dentro do grupo opositor, a líder da Coalizão Cívica, Elisa Carrió, falou recentemente do “lado obscuro” do ex-presidente Mauricio Macri e sua aliança com Milei para um governo de “ajuste brutal” e “repressão até matar”. Nesta quinta, Bullrich defendeu Milei, chamando-o de “libertário” (o grupo político dele se chama A Liberdade Avança), e defendeu que a Argentina precisa eliminar sua “burocracia política brutal”. E disse que não gostaria de “assumir o governo para que a Argentina continue igual”.

No final das contas, o governador de Córdoba foi deixado de fora da coalizão opositora, mas Larreta segue insistindo que ele seja incorporado. Para ele, o que importa é “somar para derrotar o kirchnerismo, que é a primeira coisa a fazer para governar e mudar a Argentina”.

Bullrich reconheceu que “pode haver algum tipo de divergência” na coalizão opositora, mas destacou que durante a negociação, se mantiveram “posições muito firmes e similares” sobre o que precisa ser feito na Argentina.

Ou seja, ainda há muito a definir sobre como serão as coalizões a partir das quais os argentinos vão definir seus próximos representantes.

O PASO e o calendário eleitoral

Neste ano, os argentinos voltam às urnas para eleger seu próximo presidente, além do chefe de governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires, dos governadores de 21 estados (ou províncias, como dizem na Argentina), 130 deputados federais (metade da Câmara) e 24 senadores (um terço do Senado), além de outros cargos regionais. Antes disso, deve haver o registro das coalizões (o que foi feito nesta madrugada); as listas de pré-candidatos devem ser definidas até 24 de junho; e em 13 de agosto, serão realizadas as eleições Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias, conhecidas pela sigla PASO. As eleições gerais estão marcadas para 22 de outubro. Caso haja segundo turno, será no dia 19 de novembro.

As PASO são um método de seleção de candidaturas para cargos eletivos, que envolve todo o eleitorado, não apenas os afiliados de cada partido. Como o próprio nome diz, a participação é obrigatória. Uma vez encerradas essas prévias, começa a campanha eleitoral, 50 dias antes das eleições gerais.

* Com informações do Página 12 e da agência Telam.

Edição: Thales Schmidt