Análise

O assalto do Paulo Guedes ao Fundo Social do Pré-Sal

Criado para melhorar a Educação, foi usado pelo governo Bolsonaro para pagar a dívida pública

Brasil de Fato | São Paulo (SP) | |
Pelo menos metade do arrecadado no Fundo deveria ser usado para melhorar a Educação - Marcelo Camargo/Agência Brasil

 

O Fundo Social foi criado pelo Governo Lula, em 2010, como parte da chamada Lei da Partilha que visava, entre outras coisas, garantir que a renda gerada pela extração do petróleo, em especial do então recém-descoberto pré-sal, fosse usada para o bem da maioria do povo brasileiro e não para a plutocracia de sempre. 

O Fundo recebe parte dos royalties e participações especiais, além de receitas da comercialização do óleo e gás da União nos contratos de partilha e bônus oriundos de leilões. De acordo com o Tribunal de Contas da União o Fundo arrecadou desta forma, entre 2012 e 2022, R$ 145,7 bilhões. 

No primeiro ano, houve o erro de achar que estávamos na Noruega e precisávamos pensar apenas nas aposentadorias, copiando as regras do Fundo Social daquele país. Ou seja, os recursos eram todos aplicados e somente o retorno financeiro sobre essas aplicações poderia ser usado para Educação e Saúde. 

Em 2013, isso foi corrigido e adaptado à realidade do Brasil, reconhecendo que o uso do Fundo para Educação e Saúde é investimento em futuras gerações. Assim, a lei 12.858/2013 determinou que 50% de sua arrecadação deveria ser destinada diretamente para a Educação e a Saúde (embora na prática tenha ido todo para Educação). 

O governo golpista de Temer alterou vários dispositivos importantes da Lei da Partilha, em particular a desarticulação da indústria nacional e a abertura para os oligopólios internacionais, mas não mexeu com o Fundo Social. Já no governo Bolsonaro/Paulo Guedes foi aprovada a Emenda Constitucional 109/2021 que libera o uso dos recursos para amortização da dívida pública.

E veja a eficiência com a qual o Fundo foi esvaziado: de acordo com o Tribunal de Contas da União, a amortização da dívida pública abocanhou, em dois anos (2021 e 2022), 44% de toda a arrecadação acumulada do Fundo Social do Pré-Sal (FS), desde que ele foi criado em 2012.

Ou seja, entre 2012 e 2022, R$ 66 bilhões foram para Educação e, entre 2021 e 2022, R$ 64 bilhões para o pagamento da dívida pública. Assim, inclusive o Fundo Soberano fechou 2022 com saldo de R$ 19,8 bi, quase 60% menor que em 2020. 

Impressionante como a turma sempre consegue desviar recursos destinados para melhorar a condição do povo brasileiro e canalizar para os interesses da plutocracia. O TCU concluiu que houve “esvaziamento financeiro do fundo social e apontou que os recursos têm sido aplicados em objetivos estranhos à sua criação”. 

E agora? É urgente remodelar o Fundo Social no espírito original, instalando seu Comitê de Gestão e Conselho Deliberativo com participação social. Há de se lembrar que parte essencial do espírito original era gerar recursos ADICIONAIS para projetos estruturantes nas áreas de Educação e Saúde, ou seja, não usar esses recursos para substituir gastos correntes previstos no orçamento.

Um tema essencial, que pelo jeito o TCU nem considerou. Um cuidado extra e necessário a se ter em mente  é que o TCU, além de criticar corretamente a EC 109/2021, também questionou, erroneamente, a lei de 2013.

Quer utilizar parte da renda petrolífera para diminuir a dívida pública e com isso convencer o Banco Central a cortar os juros básicos? Então o caminho é taxar os dividendos e manter um imposto sobre exportação de petróleo cru. No final no ano passado a Petrobras distribuiu mais de R$ 200 bilhões em dividendos, sendo que quase dois terços deles para particulares, em sua maioria estrangeiros.

 

* Giorgio Romano Schutte, professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC e membro do Observatório da Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (OPEB)

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato

Edição: Rodrigo Durão Coelho